O ator britânico Andy Serkis, conhecido por ser o Gollum de “Senhor dos Anéis”, há tempos une tecnologia e arte. Afinal, é um pioneiro da técnica de captura de movimento no cinema, em que seus movimentos são reproduzidos em uma animação, incluindo sua expressão.
Mas, afinal, o que ele acha sobre a Inteligência Artificial, que foi um grande tema da greve dos roteiristas e dos atores de Hollywood em 2023?
À CNN, Serkis disse que o gênio já saiu da lâmpada, então a alternativa é saber lidar com IA e usá-la da melhor forma possível.
“Ou seja, não para cortar custos, mas como uma forma de expressão artística positiva”, opina. “Não é trapaceando. Ela ainda deve ser criada por um ser humano, mas pode ser usada de forma incrível”.
O ator também contou como foi a experiência de, dessa vez, atuar em um videogame. Em Clair Obscur: Expedition 33, já disponível para PlayStation 5, Xbox Series X|S e PC, ele interpreta o personagem Renoir.
A trama do game se passa em um universo de fantasia inspirado na Belle Époque francesa, onde a humanidade é atormentada por uma criatura mística chamada Paintress. Todo ano ela pinta um numero amaldiçoado e todas as pessoas daquela idade desaparecem, o que ameaça a humanidade de extinção.
Definitivamente é uma experiência diferente de atuar no cinema, inclusive a preparação para encarnar o personagem.
“É um pouco diferente em um jogo, porque o roteiro de um videogame tem umas 800 páginas, sabe? Então, você não estuda o roteiro da mesma forma”, esclarece. “O que você faz é conversar com o diretor, discutir com o roteirista, entender um pouco da jornada do personagem, saber qual é o arco da história através de um resumo”.
Hoje Serkis olha para o mercado de games como uma nova oportunidades para atores, que vai além do cinema, TV e teatro.
“Quando converso com jovens atores saindo da escola de teatro, eles não veem a captura de movimento como algo estranho ou distante. Eles veem valor em estar envolvidos em videogames e outras formas de narrativa imersiva”, diz. “Os jogos atingiram um ponto de maturidade onde são obras de arte por direito próprio”.
O ator também deu mais detalhes da experiência de fazer “Clair Obscur: Expedition 33”, confira:
O que chamou sua atenção no roteiro de Clair Obscur: Expedition 33? Foi mais a história geral ou o seu personagem?
Andy Serkis: Foi uma combinação de três coisas, na verdade. O roteiro era realmente poderoso, e eu senti que era uma história muito emocional. Quando eu vi a arte conceitual, isso me impressionou muito, porque eu achei que a construção de mundo em que esses personagens existem era excepcional e maravilhosa. E o personagem que eu interpreto também me interessou muito. Sem dar muitos spoilers, claro, porque não quero estragar a surpresa. Muito dele é bastante misterioso, e conforme você joga, descobre mais sobre o que motiva Renoir, o personagem que eu interpreto. Mas eu achei os temas da história e a força emocional do personagem realmente interessantes.
Você falou do visual. Enquanto fazia a voz, você via as imagens ou foi no escuro?
Andy Serkis: É interessante, porque normalmente, se você está fazendo um filme de animação, muitas vezes há alguns storyboards, mas a animação é feita com base na sua voz. Neste caso, porém, para este jogo, a captura de movimento já havia sido realizada. Então eu pude ver uma versão de baixa qualidade poligonal do personagem se movendo. Então, eu estava não só tomando decisões sobre a interpretação do personagem, mas também me adaptando à fisicalidade de uma performance de captura de movimento que já existia. Isso foi algo que eu nunca tinha feito antes, porque normalmente ou é dirigido pela minha própria captura de performance ou, como eu disse, em um filme de animação, que é um pouco diferente. Então, essa foi uma primeira vez.
Quando você está se preparando para esse personagem, é diferente de, digamos, uma animação que você já fez ou outros filmes? Como você se prepara para interpretá-lo?
Andy Serkis: É um pouco diferente em um jogo, porque o roteiro de um videogame tem umas 800 páginas, sabe? Então, você não estuda o roteiro da mesma forma. Mas o que você faz é conversar com o diretor, discutir com o roteirista, entender um pouco da jornada do personagem, saber qual é o arco da história em um resumo. Mas, no fim, é sobre tomar decisões como ator: quem é essa pessoa? Como ela se expressa fisicamente? Como ela se expressa emocionalmente? E a voz vem disso. E, como eu disse, a única diferença desta vez foi que a fisicalidade já tinha sido criada. Então, foi útil ver isso.
Como você vê o papel da tecnologia, especialmente a IA, em produções audiovisuais hoje em dia?
Andy Serkis: Olha, a realidade é que o gênio da IA já saiu da lâmpada e está aqui. Todos nós temos que lidar com isso e usá-la da melhor forma possível, de maneiras criativas e poderosas. Ou seja, não para cortar custos, mas como uma forma de expressão artística positiva. Não é trapaceando. Ela ainda deve ser criada por um ser humano, mas pode ser usada de forma incrível.
Como qualquer invenção tecnológica, pode ser usada para criar coisas lindas ou para fins horríveis, como enganar, mentir, manipular, como sabemos. Mas cabe a nós, artistas, sejam escritores, músicos, atores, enfim, áreas criativas. Precisamos encontrar uma forma de usá-la respeitando outros artistas, sem trapacear.
Por exemplo, se eu fosse uma criança que quisesse me expressar, mas não soubesse desenhar, e usasse a IA para visualizar uma ideia, não vejo problema nisso. Acho que é sobre ensinar a IA a ser respeitosa com o que queremos, porque ela é como uma criança: se você a ensina bem, ela nos trata bem. Se você a ensina mal, isso vai se voltar contra nós.
Você acha que os videogames estão se tornando uma nova fronteira para atores que querem explorar personagens diferentes e cheios de nuances?
Andy Serkis: 100%. Quando converso com jovens atores saindo da escola de teatro, eles não veem a captura de movimento como algo estranho ou distante. Eles veem valor em estar envolvidos em videogames e outras formas de narrativa imersiva. Os jogos atingiram um ponto de maturidade onde são obras de arte por direito próprio. As histórias que contam existem de forma independente.
É como ler livros. Hoje, as pessoas ouvem mais audiobooks do que leem livros físicos. Alguns podem dizer que é “trapaça”, mas na verdade é outra forma de consumir arte. Eu não tenho tempo para ler “Guerra e Paz”, mas posso ouvir. E a arte por trás da criação de um audiobook é tão válida quanto a de um ator que entra na captura de movimento porque quer estar em um jogo, não necessariamente em um filme, peça ou série. Então, acho que é um momento muito interessante para a mistura de diferentes formas de arte.
Confira a entrevista em vídeo:
Este conteúdo foi originalmente publicado em Ator de “Senhor dos Anéis” defende uso da IA: “Pode criar coisas lindas” no site CNN Brasil.