A história de dois dos animais mais estranhos do planeta ficou ainda mais curiosa, graças às pistas reveladas por um fóssil solitário que, segundo cientistas, representa um ancestral há muito tempo extinto. A nova pesquisa pode transformar o que se sabe sobre a evolução dos mamíferos mais primitivos que ainda existem.
O ornitorrinco e a equidna, encontrados na Austrália e na Nova Guiné, são chamados de monotremados — um grupo único por incluir os únicos mamíferos que botam ovos.
O ornitorrinco, um animal anfíbio, tem bico e pés palmados como os de um pato, além de uma cauda parecida com a de um castor. Esse pequeno animal passa boa parte do tempo caçando alimentos na água.
Já a equidna — apropriadamente conhecida como tamanduá-espinhoso — vive exclusivamente em terra firme, é coberta de espinhos pontiagudos e tem patas traseiras voltadas para trás, o que a ajuda a revirar a terra enquanto escava. Nenhum dos dois animais tem dentes e, embora ambos produzam leite, o fazem por meio da pele, já que não possuem mamilos — os filhotes, chamados de puggles, lambem o leite diretamente da pele.
“Essas criaturinhas têm esquisitice de sobra”, disse o Dr. Guillermo W. Rougier, professor do departamento de ciências anatômicas e neurobiologia da Universidade de Louisville, no Kentucky, que estuda a evolução dos primeiros mamíferos.
“Eles são um dos grupos definidores dos mamíferos”, afirmou Rougier. “O mamífero típico da época dos dinossauros provavelmente compartilhava muito mais características biológicas com um monotremado do que com um cavalo, um cachorro, um gato ou conosco.” Por isso, acrescentou ele, os monotremados oferecem uma janela para as origens dos mamíferos na Terra.
Explorando o interior de um fóssil antigo

Um novo estudo publicado na segunda-feira (28) na revista Proceedings of the National Academy of Sciences abre ainda mais essa janela. A pesquisa, liderada pela paleontóloga Suzanne Hand, professora emérita da Escola de Ciências Biológicas, da Terra e do Meio Ambiente da Universidade de New South Wales, na Austrália, revela a estrutura interna do único fóssil conhecido do ancestral monotremado Kryoryctes cadburyi, que viveu há mais de 100 milhões de anos.
O fóssil — um úmero, ou osso do braço superior — foi descoberto em 1993 na Dinosaur Cove, no sudeste da Austrália. Por fora, o exemplar se parecia mais com um osso de uma equidna terrestre do que com o de um ornitorrinco aquático. Mas, quando os pesquisadores olharam por dentro, viram algo diferente.
“Usando técnicas avançadas de imagem em 3D, conseguimos revelar características antes invisíveis desse osso antigo, e elas contaram uma história bastante inesperada”, disse a coautora do estudo, Dra. Laura Wilson, professora sênior da Escola de Ciências Biológicas, da Terra e do Meio Ambiente da universidade.
A equipe descobriu que, internamente, o fóssil apresentava características do ornitorrinco semiaquático: uma parede óssea mais espessa e uma cavidade central menor. Juntas, essas características tornam os ossos mais pesados — algo útil para animais aquáticos, pois ajuda a reduzir a flutuabilidade, facilitando o mergulho para buscar alimento. Em contraste, as equidnas, que vivem exclusivamente em terra, têm ossos muito mais finos e leves.
A descoberta dá suporte à hipótese popular — mas até então não comprovada — de que Kryoryctes seria um ancestral comum tanto do ornitorrinco quanto da equidna, e que, na época dos dinossauros, esse animal pode ter vivido ao menos parcialmente em ambientes aquáticos.
“Nossos estudos indicam que o estilo de vida anfíbio do ornitorrinco moderno tem origem de pelo menos 100 milhões de anos atrás”, afirmou Suzanne Hand, “e que as equidnas voltaram a um estilo de vida totalmente terrestre muito mais tarde.”
A evolução dos ornitorrincos e equidnas conta a história dos mamíferos
Há exemplos bem conhecidos de animais que evoluíram da terra para a água — por exemplo, acredita-se que golfinhos e baleias tenham evoluído de animais terrestres e compartilhem linhagem com os hipopótamos. Mas há poucos exemplos documentados de evolução no sentido inverso, da água para a terra. Essa transição exige “mudanças substanciais no sistema musculoesquelético”, explicou Wilson, incluindo um novo posicionamento dos membros para a vida terrestre e ossos mais leves, para tornar os movimentos menos dispendiosos em termos de energia.
Uma transição da água para a terra pode explicar os pés virados para trás da equidna — uma característica estranha que, segundo Hand, pode ter sido herdada de um ancestral aquático que usava as patas traseiras como lemes ao nadar.
“Acho que eles provaram de forma muito elegante a hipótese de que esses animais se adaptaram a uma vida semiaquática muito cedo”, disse Rougier, que não participou do estudo, embora tenha tido contato com os autores durante a pesquisa.
A história primitiva desses animais incomuns, segundo ele, é “verdadeiramente crucial” para entendermos como os mamíferos — incluindo os humanos — surgiram.
“Os monotremados são relíquias vivas de um passado extremamente remoto. Você e um ornitorrinco provavelmente tiveram um último ancestral comum há mais de 180 milhões de anos”, afirmou. “Não há como prever a biologia desse ancestral comum sem animais como os monotremados.”
Animais extintos são recuperados graças à ciência
Este conteúdo foi originalmente publicado em Novo estudo revela a evolução dos animais mais estranhos da Terra; conheça no site CNN Brasil.