Dieta carnívora e produção de mel tóxico: conheça as abelhas abutres


Insetos nativos do Brasil se alimentam de carcaças e têm um importante papel no equilíbrio ecológico. Abelhas abutres se alimentando da carcaça de uma tarântula
Guillaume Delaitre/iNaturalist
Pouca gente sabe, mas entre as milhares de espécies de abelhas espalhadas pelo planeta, existe um grupo que age mais como urubus do que como operárias de jardim. Conhecidas como abelhas-abutres, essas raras representantes do gênero Trigona não visitam flores em busca de néctar.
Em vez disso, fazem suas refeições em carcaças de animais em decomposição, deixando de lado a dieta nectarívora e polinívora das abelhas tradicionais e transformando carne em decomposição em uma fonte de proteína e carboidratos para nutrir suas colônias.
“Essas abelhas se diferenciam por que ao invés de irem às flores, atrás de néctar e pólen, que é a fonte de carboidratos e proteínas delas, elas passaram a buscar cadáveres frescos para coletar líquidos e carne como fonte de proteína e carboidratos”, explica Felipe Contreta, biólogo e professor associado da UFPA.
Ainda que incomum, esse comportamento é exclusivo de poucas espécies dentro do gênero Trigona, como a Trigona hypogea, a Trigona necrophaga e a Trigona crassipes. Essas abelhas, nativas da América do Sul, não possuem ferrão e podem ser encontradas em diferentes ecossistemas brasileiros, como a Amazônia e o Cerrado.
Esse comportamento é exclusivo de poucas espécies dentro do gênero Trigona
Guillaume Delaitre/iNaturalist
São raras, vivem longe de áreas urbanas e têm hábitos discretos. Segundo o biólogo, o interesse por cadáveres não tem relação com qualquer tipo de agressividade — é apenas uma adaptação evolutiva singular.
“Essas adotaram ao longo da evolução essa dieta, muito parecida com outros ancestrais delas, próximos das vespas. São poucas abelhas que fazem essa alimentação por cadáveres”, diz o especialista.
Mas como exatamente uma abelha, que está evolutivamente mais acostumada a consumir pólen, consegue digerir carne em decomposição? O processo é tão curioso quanto seu comportamento.
Ao encontrar um cadáver, essas abelhas coletam pequenos pedaços de carne e os armazena em uma estrutura do sistema digestivo chamada papo — um tipo de “bolsa” interna onde o alimento é transportado até a colônia. Lá, o material é regurgitado para outras operárias, iniciando um processo coletivo de digestão química.
Mel tóxico
“Com as glândulas hipofaringeanas que elas possuem, com a atividade dessas enzimas, elas transformam essa carne em uma substância proteica que elas vão consumir e também produzem uma substancia líquida que se assemelha ao mel”, informa Felipe
Essas glândulas são encontradas na cabeça das operárias jovens e são responsáveis pela produção deste “mel”. São essas glândulas que produzem também enzimas necessárias ao metabolismo da abelha, tais como as que auxiliam na transformação do néctar em mel.
“Esse mel que elas produzem, ele não deve ser consumido por humanos. Há registros no passado de pessoas que consumiram e tiveram intoxicação, então se sabe que as substâncias que elas produzem a partir dos cadáveres não se pode ser consumida por humanos”, alerta o biólogo.
Mesmo com essa dieta incomum, essas abelhas não oferecem perigo às pessoas. Elas são discretas, vivem em florestas tropicais e geralmente habitam áreas afastadas de centros urbanos, o que reduz significativamente qualquer chance de contato com humanos.
Abelhas abutres se alimentando da carcaça de uma esperança
César Machado Nunes Teixeira/iNaturalist
Não é porque são abelhas “diferentes” que deixam de ter um papel importante no meio ambiente. Esses insetos atuam diretamente no processo de decomposição, ajudando a quebrar e transformar cadáveres frescos em recursos alimentares para a colônia. Dessa forma, cumprem uma função ecológica peculiar, mas essencial, na reciclagem da matéria orgânica.
O melhor jeito de conservar essas abelhas é preservar o meio ambiente no qual elas ocorrem, embora elas não corram nenhum risco de extinção atualmente
Embora não produzam o mel doce que conhecemos e não participem da polinização como suas parentes mais famosas, essas pequenas operárias da decomposição mostram que até mesmo os comportamentos mais inusitados têm um papel no equilíbrio ecológico.
*Texto sob supervisão de Lizzy Arruda
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