Aposentada atropelada por patinete na contramão teve despesa de R$ 13 mil; g1 flagra irregularidades, que não têm punição


O g1 traz neste fim de semana reportagens sobre a micromobilidade. Acidentes como o sofrido por Valéria Beato dispararam na cidade. Mulher é atropelada por patinete elétrico na contramão, fratura o cotovelo e tem despesa de R$ 13 mil no hospital
Reprodução
A aposentada Valéria Beato Costa Medeiros, de 61 anos, foi atropelada por um patinete elétrico que levava 2 pessoas e trafegava na contramão. O acidente ocorreu no dia 5 de março, em Ipanema, Zona Sul do Rio, e desde então ela diz não ter recuperado a autonomia — e a cirurgia de reparação custou R$ 13 mil.
Acidentes como o que vitimou Valéria dispararam na cidade. Os hospitais da rede municipal do Rio de Janeiro registraram, em 1 ano, um aumento de 702% no número de atendimentos a pacientes envolvidos em ocorrências com veículos de micromobilidade, como patinetes elétricos, autopropelidos, ciclomotores e outros veículos urbanos leves. Foram 274 casos em 2023 ante 2.199 em 2024.
Na prática, as ciclovias cariocas viraram terra de ninguém, porque não há fiscalização tampouco punição a quem não tem zelo ao guiar veículos leves. É o que o g1 mostra neste fim de semana. Você vai ver, além da história de Valéria, flagrantes de infrações, o que pode estar por trás desse aumento de acidentes e o entrave burocrático para multar infratores. Aprenda ainda a diferença entre cada veículo leve.
➡️ Que é micromobilidade? Trata-se do uso de meios de transporte leves e individuais. Entre eles, estão as bicicletas elétricas (com motor auxiliar), os veículos autopropelidos (patinetes e bicicletas semelhantes a pequenas motos, com ou sem pedal) e os ciclomotores (maiores, mais potentes, que exigem emplacamento e carteira de habilitação). Estes últimos não podem circular nas ciclovias.
Valéria Beato Costa Medeiros, de 61 anos, foi atropelada por um patinete na contramão
Arquivo pessoal
Segundo a resolução do Contran, é proibido o uso de patinete por mais de uma pessoa. Caso a lei aprovada na Câmara de Vereadores já estivesse regulamentada, as infrações na condução desses veículos no Rio poderiam gerar multas, que iriam variar entre R$ 100 e R$ 20 mil. Contudo, a prefeitura ainda não regulamentou a lei.
Como foi o acidente
Naquela Quarta-Feira de Cinzas, Valéria seguia pela Rua Vinícius de Moraes quando resolveu passar para a outra calçada.
“Eu olhei para o meu lado direito, de onde vinham os carros. Não tinha ninguém. Quando começo a atravessar, um patinete com um casal em cima veio na contramão e me atropelou. O patinete prendeu meu pé, bateu no meu peito e me jogou no chão. Eu caí de boca no asfalto. Por sorte não bati com a cabeça”, contou Valéria.
“Nunca imaginei que um patinete pudesse vir na contramão. Foi uma total irresponsabilidade do casal”, afirmou Valéria. “Quando uma pessoa tentou me levantar pelo cotovelo, eu urrei de dor, porque o meu cotovelo estava quebrado em pedacinhos.”
Na queda, Valéria fraturou o cotovelo e o punho, além de sofrer lesões na boca, joelho e no pé direito. Ela precisou passar por uma cirurgia a fim de colocar placas e parafusos para não perder os movimentos do braço. Só pela operação, Valéria teve uma despesa de R$ 13 mil.
Valéria contou ao g1 que o casal que conduzia o patinete ficou ao lado dela até que o marido e a filha pudessem chegar no local. A condutora o carona a ajudaram a entrar no táxi para o hospital.
Contudo, mesmo após a cirurgia, Valéria só percebeu o tamanho dos problemas que teria ao deixar o hospital.
“Aí começou todo o transtorno em minha vida. Sou destra, o cotovelo quebrado foi o direito, então imagina o transtorno. Meu marido ficou dias sem trabalhar para poder cuidar de mim, minha filha deixou de ir à aula e ao estágio para ficar comigo. Eu não tenho como tomar banho sozinha, comer sozinha, me vestir sozinha, fazer absolutamente nada sozinha. Até tive que chamar uma pessoa para ficar comigo, e pagar, porque meu marido precisava voltar ao trabalho”, explicou Valéria.
“Eu não estava preparada para esse gasto todo [os R$ 13 mil], acho que ninguém está. Agora estou eu tomando um monte de remédios, imobilizada, sem poder trabalhar e levar a minha vida normalmente.”
“Estou deprimidíssima, traumatizada com tudo o que me aconteceu e com medo de sair de casa”, relatou Valéria.
Valéria fraturou o cotovelo e o punho, além de lesões na boca, joelho e no pé esquerdo.
Arquivo pessoal
Casal nega responsabilidade
Em contato com o g1, uma das pessoas que estavam no patinete no dia do acidente disse que não teve responsabilidade pelo choque com Valéria.
Segundo a condutora, ela e o namorado estavam no lado certo da rua e em uma velocidade compatível, enquanto se dirigiam para a praia.
“Estávamos numa via apropriada, no canto da rua, e não na calçada. Não havia ciclovia ou ciclofaixa neste trecho da rua. Estávamos numa velocidade mínima e compatível, e a senhora envolvida no acidente atravessou fora da faixa de pedestre e do sinal”, relembrou.
“Nós freamos imediatamente, mas ela acabou por esbarrar no patinete e caiu no chão. Como estávamos devagar, ao frear, nós próprios não caímos, conseguindo assim prestar imediatamente a assistência que estava ao nosso alcance”, relatou.
Ainda de acordo com a condutora, o casal ficou junto com Valéria por cerca de 1 hora, até a família chegar.
“Ao vê-la sair caminhando do local do acidente, fomos embora. Eu entendo que não houve falha da nossa parte pelo infeliz acidente, ocorrido em razão da pessoa que atravessou a rua fora da faixa de pedestre e sem olhar”, analisou.
Ainda imobilizada por conta do acidente, Valéria se revoltou ao saber que os condutores não assumiram sua responsabilidade pelo ocorrido.
“Se eles estivessem andando numa velocidade mínima e no sentido dos carros, nada disso teria acontecido. Eles tentam colocar a culpa em mim dizendo que eu atravessei fora da faixa do sinal. Ali não tem faixa e nem sinal!”, argumentou.
Falta de contato e possível seguro
A empresa Whoosh, que alugou o patinete utilizado pelo casal no dia 5 de março, lamentou o ocorrido e informou ao g1 que entrou em contato com o condutor responsável assim que soube do acidente com Valéria.
De acordo com a empresa, eles solicitaram mais informações do condutor sobre o acidente. Contudo, segundo a Whoosh, não houve retorno.
“A Whoosh lamenta profundamente o ocorrido e reafirma seu compromisso com a segurança e o bem-estar de seus usuários. Assim que tomamos conhecimento do acidente, no dia 11 de março, com o primeiro contato do usuário com o nosso time, nossa equipe de suporte prestou um pronto atendimento e encaminhou o caso para nossa equipe especializada, que, no mesmo dia, enviou um e-mail solicitando mais informações sobre o ocorrido para que pudéssemos tratar a situação da melhor maneira possível. No entanto, até o momento, não houve retorno por parte do usuário”, dizia um trecho do comunicado da Whoosh.
Ainda de acordo com a empresa, todas as corridas realizadas com patinetes da Whoosh possuem seguro.
Flagrantes
Acidentes envolvendo veículos de micromobilidade, como patinetes e bicicletas elétricas, sobem 702% no Rio
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