A jornada do cinema nacional

Estamos em um momento muito auspicioso para o Brasil. O audiovisual vem ano a ano conquistando patamares de reconhecimento extraordinários, dentro e fora de casa.

Vemos que a cada ano cresce o interesse do mundo pelo Brasil. Só no último ano filmes nacionais foram destaque nos mais prestigiados festivais internacionais, “Motel Destino” em Cannes, o próprio “Ainda Estou Aqui” no Globo de Ouro e, agora, no Oscar, e o mais recente, “O Último Azul” em Berlim, entre outros inúmeros destaques mundo afora.

No mercado interno também tem conquistado patamares grandes de público como, entre outros, “O Auto da Compadecida 2”, “Minha Irmã e Eu” e “Arca de Noé”.

Mas é importante lembrar que nem sempre foi assim, e entender os motivos pelos quais chegamos aqui.

Voltando a 30 anos atrás, a jornada que percorremos nem sempre provocava tanto otimismo. Tivemos várias interrupções nos mecanismos de estímulo ao cinema, que impactam diretamente o setor.

E as políticas públicas ligadas à cultura são essenciais, não só aqui no Brasil, mas em todo o mundo. As indústrias audiovisuais de países como os Estados Unidos, França, Coreia do Sul e tantos outros, foram construídas com forte empenho de seus governos para estruturar esses mercados.

Antes dos anos 90 tivemos a Embrafilme, uma empresa de economia mista de fomento à produção e distribuição de filmes nacionais. Nesse período o cinema nacional gerou muitos filmes de sucesso alcançando grandes bilheterias como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), de Bruno Barreto, um recorde de público (mais de 10 milhões de espectadores) e também comédias como as dos Trapalhões que atraíram milhares de pessoas aos cinemas.

Mas houve uma abrupta interrupção na produção nacional nos anos 1990, durante o governo Collor, onde todas as políticas públicas para o desenvolvimento da atividade foram extintas, e deixaram de existir a Embrafilme, o Ministério da Cultura, o Concine e a Fundação do Cinema Brasileiro.

Para se ter um ideia do impacto que isso causou no mercado audiovisual em 1992, somente três filmes brasileiros foram lançados nas salas de cinema.

Foi desmontado um mercado que estava sendo estruturado e amadurecido durante décadas. Por conta da falta de visão econômica e cultural, toda uma atividade lucrativa e essencial para o desenvolvimento de um país, foi cessada.

Depois disso, tivemos que começar do zero. De lá para cá foram construídas paulatinamente uma série de políticas públicas, essenciais para o mercado voltar a respirar.

As primeiras foram a aprovação da Lei do Audiovisual em 1993 e a formação da Ancine em 2001. Alguns anos depois, foi constituído por lei o Fundo Setorial do Audiovisual em 2006, com recursos do próprio setor, e estabelecida a Lei da TV por Assinatura. E saímos daquela produção de três filmes num ano para uma média de mais de 150 filmes lançados anualmente.

Claro que nem todos atingem o grande público, mas isso acontece aqui e em todo mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, produzem mais de 600 filmes por ano. Quantos de fato atingem o grande público?

No Brasil temos filmes de muito sucesso feito para grande público. Temos muitos filmes essenciais realizados para nichos. E temos filmes com perfil de circulação internacional que se destacam em festivais e são licenciados para inúmeros países.

Além dos filmes para cinema, nossas produções de séries para plataformas e canais de TV aberta e fechada têm crescido em quantidade e impacto, atingindo audiências globais, como foi o caso da série “Senna” da Netflix, produzida pela Gullane.

Isso mostra que a nossa produção audiovisual atingiu sua maturidade. E essa maturidade só existe com anos de acúmulo, de conhecimento, de exercício, de construção de infraestrutura.

Com suporte e estímulo, foi possível amadurecer nossa dramaturgia, nossos talentos e modos de produção. Hoje temos produções sendo realizadas em todos os cantos do Brasil, e isso é muito bonito de se ver. Estão surgindo novos talentos, novas narrativas, novos pontos de vista para enriquecer nosso olhar.

Não é nada fácil disputar espaço nesse mercado que é altamente competitivo. Concorremos com países que não tiveram sua cinematografia interrompida, que são mais maduras no mundo, e tiveram fortes políticas públicas de expansão global.

O Brasil tem a oportunidade de potencializar ainda mais a sua produção para conquistar muitos mercados em todo o mundo. E é importante destacar que, junto com nossos filmes e séries, vão também nossa cultura, o nosso modo de vida, a nossa língua, e abre caminho para os nossos produtos também, não só os culturais, mas todos os outros. É o chamado  soft-power, importantíssimo para potencializar a economia dos países pelo mundo.

Assista: “Ainda Estou Aqui” vence Oscar

Por isso que o fato de termos um filme nacional, falado em português, competindo com grandes produções no Oscar, já é em si um grande prêmio, é motivo de grande celebração. Integrar esse grupo de filmes tão seleto, merecer o reconhecimento da mídia no mundo inteiro, nas redes sociais, no boca a boca, é um ganho enorme para a nossa cinematografia e para a imagem do Brasil.

Quando o mundo fala de nós, é impossível não ser impactado de uma forma ou de outra, e isso é maravilhoso. Abre caminhos também para nos tornarmos ainda mais fortes e produzir ainda mais.

O sucesso do “Ainda Estou Aqui” é um marco em nossa cultura. E a consagração de nossas atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres faz disso tudo ainda mais emocionante. Mesmo que não ganhe, o Brasil já é mais que vencedor!

* Débora Ivanov é advogada e produtora de cinema brasileira. Atuou por mais de uma década como produtora cultural, dedicando-se à realização de documentários, exposições e projetos editoriais. Em 2000, tornou-se sócia da produtora Gullane Filmes, onde produziu mais de 60 filmes, incluindo títulos de destaque como “Que Horas Ela Volta?”, “Até Que a Sorte nos Separe“, “Uma História de Amor e Fúria“, “As Melhores Coisas do Mundo” e “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias 

Como foram os bastidores de “Ainda Estou Aqui”?

Este conteúdo foi originalmente publicado em A jornada do cinema nacional no site CNN Brasil.

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