
Espaço funciona geralmente dentro de escolas e é equipado com ferramentas que vão desde figuras simples até tablets e mouses usados para promover interação de alunos com o meio. O que são Salas de Recursos Multifuncionais e como elas favorecem inclusão na educação
Um dos suportes usados para eliminar barreiras no processo de educação de crianças e adolescentes com deficiência dentro das escolas são as chamadas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM). O g1 esteve em duas escolas de Campinas (SP) para entender como funcionam esses espaços que são equipados com ferramentas pedagógicas de acessibilidade voltadas para desenvolver os alunos e promover a inclusão.
🔎 O que é? A SRM é um espaço físico dentro das escolas que funciona no contraturno das aulas e é equipado com recursos específicos destinados a desenvolver nas crianças e adolescentes com deficiência habilidades ou métodos de interação que favoreçam a inclusão delas no dia a dia.
👨💻 Por exemplo: nesse ambiente, os educadores podem usar figuras, pulseiras, ou até recursos tecnológicos, como tablets e mouses, para ensinar formas alternativas para uma criança não oralizada (que não fala) interagir com colegas e professores. Isso elimina a barreira da comunicação, facilitando, assim, a inclusão dessa criança na sala de aula.
Essas ferramentas – figuras, tablets, pulseiras, mouses ocular, etc – disponíveis nas SRMs compõem o que os especialistas chamam de tecnologia assistiva.
🔎O que é tecnologia assistiva? É o termo utilizado para identificar todo e qualquer recurso, serviço, estratégia, prática ou produto que tenha como objetivo promover a autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão de pessoas com deficiência.
“É a tecnologia assistiva que torna o mundo possível para pessoas com deficiência. Se elas não têm acesso a ferramentas adequadas, é muito difícil sair do papel de espectador. São alunos que só assistem a vida das outras pessoas. E a tecnologia assistiva traz essa potencialidade, de permitir que eles sejam protagonistas de suas histórias”, defende Tathiane Rubin Rodrigues Cuesta, professora de educação especial.
E a implantação de sistemas de comunicação alternativa, seja ela de alta ou baixa tecnologia, e o uso de equipamentos de alto custo, como o mouse ocular, são destaques na série de reportagens ‘Ser Acessível’, coprodução g1 e EPTV que aborda a acessibilidade na educação básica.
⬇️ Nesta reportagem você vai ler:
Escola acessível
É apenas para crianças que não falam?
Caderno com imagens
Falando pelo olhar
‘Eu sou o Pedro’
#paratodosverem: Na escola, Catarina, uma menina de 5 anos, está junto a professora, na frente de um cartaz que contém figuras coloridas de cenas do dia a dia, de expressões faciais e sentimentos
Pedro Santana/EPTV
Escola acessível
Na escola municipal Agostino Pattaro, no distrito de Barão Geraldo, em Campinas, o trabalho de uma década da professora Aline Begossi transformou a unidade, e criou um ambiente onde a comunicação alternativa está inserida na rotina – para todos os alunos, mesmo os que não são público da educação especial.
🔎 E como funciona isso? A Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) utiliza recursos que podem complementar ou substituir a fala, como símbolos, letras, números, expressões, fotos, palavras escritas e alfabeto.
Da entrada da escola a sala de aula, passando pelos banheiros, refeitório e parquinho, há elementos de comunicação alternativa por todos os lados na escola. Incluindo o uso de uma pulseira elaborada por Aline e usada por alunos e professores, que transmite, por meio de pictogramas (imagens ou símbolos), informações claras e diretas sobre vontades e sentimentos comuns ao cotidiano.
#paratodosverem: Visto bem de perto, uma pulseira estreita com ilustrações dentro de quadradinhos. Acima de cada ilustração, uma palavra: da esquerda para direita, 1. um menino acena e a palavra OI, 2. um círculo com “Check” – SIM; 3. A letra X vermelha – NÃO; um vaso sanitário – BANHEIRO; uma carinha com uma maçã, dentro de um balão de pensamento – FOME; outra carinha com um copo com líquido azul – SEDE; uma criança entre brinquedos – BRINCAR; uma carinha com olhos revirados e a boca arqueada para baixo – DOR
Ricardo Custódio/EPTV
Para a efetividade desse trabalho, fruto do conhecimento acumulado, constante aprendizado e muita dedicação, Aline precisa que escola e família se apropriem do recurso para que isso seja incorporado na vida da criança.
“Estou desde 2014 trabalhando nos momentos de reuniões, trazendo formação para as professoras, trazendo e produzindo material, explicando o porquê do uso, como usar, não só para a escola, mas também para a família. Quando eu produzo um recurso desse, a escola precisa se apropriar e a família também, porque senão eu faço um recurso que não tem eco na vida da criança, que vai ser usado só dentro da sala de recursos”, explica Aline.
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É apenas para crianças que não falam?
A professora Aline Begossi explica que o recurso pode ser utilizado também por alunos que tem uma boa comunicação e se expressam verbalmente mas que, em determinado momento, entra em sofrimento por alguma questão sensorial, como ocorre com algumas crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
“Nesse momento a fala não vem, a criança não consegue comunicar nem o que está sentindo ou está acontecendo. Ela pode estar batendo a cabeça, puxando o cabelo, se mordendo, seja qual for o comportamento, ela vai precisar justamente dar vazão aquela questão sensorial. E aí a gente vai usar a mediação da linguagem por meio da imagem. Pode ser um chaveiro de comportamento, e usando as imagens, a gente vai conversando com ela para ajudar nesse momento de regulação”, explica Aline.
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E o que é preciso para implantar esse recurso? Segundo Aline, mais do que vontade e equipamentos, é necessário conhecimento.
“Isso tem a ver com formação, isso tem a ver com conhecimento. Quanto mais as pessoas conhecem, quanto mais as pessoas estudam, quanto mais isso é divulgado, mais se vê a acessibilidade, mais a gente consegue ver essas crianças nos espaços tendo voz, sendo ouvidas, sendo atendidas nas suas dificuldades, daquilo que elas precisam em termos de acesso”, defende.
#paratodosverem: Sentadas à mesa, a professora Aline Begossi e Catarina, que olha o caderno de comunicação pictórica, cheio de figuras. Catarina é branca com cabelos ondulados loiros
Pedro Santana/EPTV
Caderno com imagens
Na escola onde atua na sala de recursos, Alilne Begossi atende a pequena Catarina, uma menina de 5 anos que tem deficiência intelectual e não fala. É por meio do sistema de comunicação, tanto aquele espalhado pela unidade como de um caderno elaborado apenas para ela, que a menina ganha voz no dia a dia.
No parquinho, por exemplo, informa em qual brinquedo deseja ir, ou usa a pulseira para mostrar se está feliz, cansada ou com dor. No caderno, indica quem é a professora, os familiares e demonstra desejos – como o da escolha de uma música, por exemplo.
“Por conta dessa questão da fala, a gente passou a trabalhar com ela o sistema de comunicação, para poder dar voz para a Catarina, para que a gente pudesse conhecer a Catarina e a Catarina pudesse dizer suas necessidades, suas vontades, quem ela é, as pessoas poderem se comunicar com a Catarina na escola”, explica Alline.
#paratodosverem: Foto de Catarina num fichário onde se lê: “Caderno de Comunicação pictórica”
Pedro Santana/EPTV
Falando pelo olhar
E quando a voz não sai das cordas vocais, mas pelo olhar? Priscila Cristina Jota Dias, de 41 anos, sempre teve a certeza de que o filho, Hugo, que tem paralisia cerebral e não é oralizado, ou seja, não fala, tinha algo a dizer. “Ele quer ter uma voz, quer falar, mas não consegue.”
“Lutando contra o mundo”, a mãe encontrou no trabalho da professora Tathiane Rubin Rodrigues Cuesta, na Sala de Recursos Multifuncionais (SRM) do CEI João Vialta, em Campinas, uma forma de demonstrar aos que duvidam que seu filho já aprendeu, tem muito a aprender e também a ensinar.
Por meio de um mouse ocular, tecnologia assistiva de alto custo disponível na SRM, Hugo usa o movimento dos olhos para se comunicar – e os resultados apareceram desde o primeiro encontro, ainda durante o teste do equipamento.
“Quando ela saiu da sala para me chamar, para eu ver ele fazendo, ela já saiu radiante, porque viu que o Hugo tinha essa capacidade de se comunicar. Ela tinha encontrado um meio para o Hugo. Pensa na minha alegria de poder falar assim: olha, meu filho consegue se comunicar. Foi muito gratificante”, conta a mãe.
#paratodosverem: A professora Tathiane Cuesta aponta para um balão azul na tela do computador. É um desenho com peixinhos no fundo do mar azul. O menino Hugo, na cadeira de rodas, observa com atenção
Ricardo Custódio/EPTV
E o que a tecnologia assitiva permite? Segundo Tathiane, o recurso de tecnologia assistiva permite que o estudante com deficiência seja protagonista de sua própria história.
“Quando a gente oferece um mouse ocular ou um computador simples, faz com que esse aluno tenha acesso ao currículo escolar. Então, aquela mesma matéria que vai estar na lousa, vai estar no computador, e esse aluno vai poder dizer: isso é cor, isso é número, isso é letra. Ele consegue responder de forma autônoma, sem precisar de uma outra pessoa para responder por ele. Aí ele acaba sendo o protagonista do aprendizado dele, que é isso, que a ferramenta da tecnologia assistida potencializa”, exemplifica Tathiane.
Ver o filho com esse protagonismo, podendo se comunicar por meio da tecnologia assistiva, enche Priscila de orgulho. E mostra que Hugo pode ensinar muitos valores.
“A maior lição que o Hugo me dá é de dar valor para a vida. Porque não importa se você tem a sua limitação ou não, você está vivo, você pode respirar, você pode mostrar alegria para as pessoas, você pode transmitir amor para as pessoas, você pode viver, mesmo com a sua limitação”, diz Priscila.
#paratodosverem: Close da mãe de Hugo, Priscila Jota. É branca de cabelos pretos longos. Usa óculos, aparelho nos dentes e uma camiseta estampada de folhagens verdes e marrons
Ricardo Custódio/EPTV
‘Eu sou o Pedro’
Assim como o Hugo, o jovem Pedro Domingues, de 13 anos, é uma criança que não fala. Chegou ao atendimento na sala de recursos do CEI João Vialta após um diálogo entre escola e família, pois havia muito dificuldade de entender o que ele queria comunicar.
E o que o Pedro tem? Pedro tem diagnosticada a síndrome de Perisylvania, condição que afeta em especial a parte motora. Não falar não quer dizer que ele não entenda ou aprenda. Pelo contrário. Superativo, é ágil com as mãos e a cadeira de rodas e está sempre atento a tudo ao seu redor.
Segundo a mãe e a professora, Pedro demonstra compreensão de tudo o que é falado, e ao contrário da Catarina, que se adaptou ao sistema de pranchas, pulseira e caderno, o adolescente encontrou a voz em um sistema disponível no computador e tablet que sintetiza os comandos que aprendeu e seleciona na tela.
#paratodosverem: Na sala de recursos, a professora Tathiane Cuesta conversa com Pedro, um menino na cadeira de rodas que toca numa figura na tela do computador
Ricardo Custódio/EPTV
“Ele é rápido, dinâmico e queria se comunicar de uma forma veloz. Então trazer o uso dele com a comunicação alternativa no computador trouxe isso. O Pedro produz alguns sons, poucos sons. Ele se faz entender pela família, mas fora do ambiente de casa, é muito difícil de se comunicar. Eu fui trazendo esse universo para o computador, fazendo frases e ele foi entendendo que, toda vez que ele fazia um comando, eu ia lá e pegava um brinquedo”, explica Tathiane.
“Dentro de casa ele faz os gestos dele que eu e o pai dele entendem. Só que no dia a dia, com outras pessoas, elas não vão entender direito. Então, ele vai conseguir se expressar melhor com esse projeto de comunicação alternativa”, defende a mãe, Priscila Santos Pedreiro.
Segundo a professora, o trabalho constante com o recurso de tecnologia assistiva faz com que Pedro amplie seu vocabulário, e a meta atual é aperfeiçoar a comunicação na rotina de casa e na sala de aula.
#paratodosverem: Close de Pedro Domingues sorrindo e olhando para o brinquedo
Ricardo Custódio/EPTV
Ser Acessível
Entenda barreiras que impedem inclusão escolar e veja famílias que enfrentaram a exclusão
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