Nos dois últimos anos de presidência, Joe Biden teve momentos de privacidade em que não conseguia se lembrar dos nomes dos principais assessores e tinha uma agenda privada cada vez mais limitada, de acordo com um novo livro do âncora Jake Tapper, da CNN, e Alex Thompson, do site Axios.
Também foi relatado na obra que o ex-presidente era propenso à incoerência e à perda da linha de raciocínio, e se escondia dos olhos do público para ocultar a extensão de seu declínio.
O livro detalha episódios consecutivos em que políticos democratas, assessores da Casa Branca, membros do gabinete de Biden e doadores democratas ficaram chocados com a diminuição das capacidades mentais e físicas de Biden, enquanto o presidente embarcava em uma tentativa de reeleição em 2024.
Mas quase todos não se manifestaram publicamente, nem tentaram impedi-lo de concorrer.
“O que o mundo viu no único debate de 2024 não foi uma anomalia. Não foi um resfriado, não foi alguém despreparado ou superpreparado. Não foi alguém apenas um pouco cansado”, escrevem Tapper e Thompson.
“Foi o resultado natural de um homem de 81 anos cujas capacidades vinham diminuindo há anos. Biden, sua família e equipe deixaram que os interesses próprios e o medo de outro mandato de Trump justificassem a tentativa de colocar um velho, às vezes confuso, no Salão Oval por mais quatro anos.”, acrescentaram.
O novo livro, “Original Sin: President’s Decline, Its Cover-Up, and His Disastrous Choice to Run Again” (Pecado Original: O Declínio do Presidente Biden, Seu Acobertamento e Sua Escolha Desastrosa de Concorrer Novamente), foi lançado nesta terça-feira (20).
A obra é baseada em mais de 200 entrevistas, a maioria com membros do Partido Democrata, quase todas realizadas após o término das eleições de 2024.
O foco na idade e na saúde de Joe Biden se intensificou nos últimos dias.
No domingo, o gabinete dele informou em um comunicado que o ex-presidente foi diagnosticado com uma “forma agressiva” de câncer de próstata que se espalhou para os ossos.
A declaração afirma que o democrata e sua família “estão analisando as opções de tratamento com médicos”.
O diagnóstico de câncer gerou uma onda de apoio e votos de melhoras ao ex-presidente, inclusive do presidente Donald Trump, que publicou na rede social Truth Social: “Melania e eu lamentamos saber do recente diagnóstico médico de Joe Biden. Desejamos a Jill e à família nossos mais calorosos votos e uma rápida e bem-sucedida recuperação a Joe.”
Mas o debate sobre a decisão do democrata de concorrer à reeleição continua.
O atual vice-presidente JD Vance falou a repórteres na segunda-feira (19) que deseja o melhor para a saúde de Biden, mas acrescentou que “precisamos realmente ser honestos sobre se o ex-presidente era capaz de desempenhar o cargo”.
“De certa forma, eu o culpo menos do que culpo as pessoas ao seu redor”, disse Vance. “Podemos rezar por boa saúde, mas também reconhecer que, se você não tem saúde suficiente para fazer o trabalho, não deveria estar fazendo-o.”
Na sexta-feira (16), o áudio da entrevista de Joe Biden com o procurador especial Robert Hur sobre o manuseio de documentos confidenciais foi publicado pelo Axios, acrescentando contexto ao motivo pelo qual o relatório de Hur concluiu que o democrata era “um homem idoso, simpático e bem-intencionado, com memória fraca”.
Saúde era uma preocupação para colegas de Biden
Tapper e Thompson relatam que as preocupações com a saúde de Biden por parte daqueles que trabalhavam começaram em 2020.
A deterioração mental e física se acelerou em 2023 e 2024, antes do desastroso debate da CNN em junho de 2024 com Donald Trump.
Em determinado momento de dezembro de 2022, o ex-presidente não conseguia se lembrar dos nomes dos conselheiros de segurança nacional, Jake Sullivan, e da diretora de comunicações, Kate Bedingfield, escreveram os autores.
No outono de 2023, Biden aparentemente não reconheceu Jamie Harrison, presidente do Comitê Nacional Democrata (Harrison contesta isso).
E no início de 2024, Tapper e Thompson relatam que Biden não reconheceu o astro de cinema George Clooney, que conhece há anos.
Alguns membros do gabinete relataram a Tapper e Thompson que não acreditavam que o democrata se apresentaria às 2h00 em caso de emergência nacional.
“Coisas que teriam sido consideradas um desastre em 2023 — em 2024, teríamos dito: ‘Ok, superamos isso’”, falou um assessor de alto escalão aos autores.
Proteção do ex-presidente
Os autores escrevem que Biden era protegido por um grupo isolado, incluindo a esposa, o filho e um grupo de assessores de longa data apelidado de “Politburo”, uma referência ao comitê de liderança de um partido comunista.
Os principais assessores dele — Mike Donilon, Steve Ricchetti e Bruce Reed — valorizavam a lealdade ao presidente.
Aqueles que não faziam parte do círculo interno, incluindo equipes de campanha, pesquisadores e membros do gabinete, acreditavam que os assessores estavam o protegendo de informações negativas. Isso porque o presidente decidiu concorrer à reeleição sem nenhuma discussão ou contribuição de outros na Casa Branca ou na campanha, segundo o livro.
“Era uma teologia que beirava o fanatismo: em janeiro de 2025, Mike Donilon continuou a defender a visão de que, embora Biden pudesse esquecer e confundir nomes, quando o presidente decidiu qual deveria ser a proposta para um acordo de paz entre o Hamas e Israel, ele foi muito inteligente”, escrevem Tapper e Thompson.
Em declaração à CNN, um porta-voz do ex-presidente criticou o livro, dizendo: “Continuamos aguardando qualquer informação que mostre onde Joe Biden teve que tomar uma decisão presidencial ou onde a segurança nacional foi ameaçada ou onde foi incapaz de fazer seu trabalho.”
“Na verdade, as evidências apontam para o oposto — Biden foi um presidente muito eficaz”, acrescentou.
-
1 de 10Ex-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden • 19/08/2024REUTERS/Kevin Lamarque
-
2 de 10Joe Biden do Partido Democrata e ex-presidente dos EUA • 19/08/2024REUTERS/Craig Hudson
-
3 de 10O ex-presidente dos Estados Unidos Joe Biden e a ex-primeira-dama Jill Biden em imagem nas redes sociais • 19/05/2025 Joe Biden via X/Divulgação via REUTERS
-
-
4 de 10Presidente dos EUA, Joe Biden, acena antes de entrar no Força Aérea Um, em Los Angeles, na Califórnia • 08/01/2025 REUTERS/Kevin Lamarque
-
5 de 10Biden discursando em Manaus • Reprodução/Reuters
-
6 de 10Presidente dos EUA Joe Biden em Washington • 14/7/2024 REUTERS/Nathan Howard
-
-
7 de 10Joe Biden no primeiro debate para as eleições americanas de 2024 • Getty Images
-
8 de 10Presidente dos EUA, Biden, se encontra com o presidente do Brasil, Lula, durante a AGNU na cidade de Nova York • 20/09/2023REUTERS/Kevin Lamarque
-
9 de 10Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, presidente do Brasil em 2022 • PR/Alan Santos
-
-
10 de 10Senador Joseph Biden em 1971 • Bettmann Archive/Getty Images
Estado de saúde de Joe Biden
Os autores do livro descobriram que as preocupações com os problemas de saúde de Biden datavam a campanha de 2020.
O democrata gravou vídeos de campanha falando com eleitores pelo Zoom antes da convenção, mas as horas de filmagem foram em grande parte inutilizáveis e chocaram alguns membros da equipe de Biden.
“Era como se fosse uma pessoa diferente. Foi como ver o vovô que não deveria estar dirigindo”, falou um democrata, segundo o livro. “Eu não achava que ele pudesse ser presidente.”
Algumas pessoas próximas ao ex-presidente disseram que a piora de Biden estava ligada a momentos de intenso estresse, particularmente com os problemas legais do filho Hunter, escrevem os autores.
Um secretário de gabinete falou que o julgamento e a condenação de Hunter em junho de 2024 foram “semelhantes a um peso de duzentos quilos caindo sobre a cabeça do presidente”, escrevem Tapper e Thompson.
Vários legisladores disseram aos autores que o democrata que viram os lembrava de pais e avós doentes.
Publicamente, questionamentos sobre a saúde de Biden surgiram em 2024, alimentados pelo relatório de Hur, que optou por não indiciar Biden por mau uso de informações confidenciais, em parte devido à forma como o júri avaliaria a idade.
Em particular, Tapper e Thompson relatam que os democratas ficaram chocados com as interações com Biden no ano passado, tanto em reuniões a portas fechadas quanto em encontros com doadores.
Senadores democratas disseram aos autores que viram uma mudança perceptível no democrata durante reuniões privadas no início de 2024, o que acharam alarmante, mas deram ao seu ex-colega o benefício da dúvida.
Um alto funcionário do governo confrontou com raiva um colega da Casa Branca após uma reunião com a força-tarefa de Biden sobre acesso a cuidados de saúde reprodutiva. “Que p**** vocês estão fazendo?”, disse o funcionário. “Não entendo como esse cara consegue fazer campanha para concorrer à reeleição.”
“Mesmo que ele tenha feito tantas coisas boas para este país, eu nunca poderei perdoá-lo”, falou o funcionário aos autores após a eleição.

Após o empolgante discurso do Estado da União de Biden em março de 2024 — uma atuação que muitos democratas apontaram como justificativa para sua candidatura à reeleição — alguns assessores da Casa Branca, que normalmente não tinham acesso a ele, ficaram incomodados com a deterioração do estado de saúde dele.
Isso aconteceu quando ele se dirigiu a uma sala cheia de estudantes do ensino médio mais tarde naquela noite e fez um discurso desconexo.
Um assessor, escrevem os autores, não conseguiu evitar perguntar “o que diabos eles tinham acabado de ver”.
“Isso não vai funcionar”, pensou o assessor, segundo o livro. “Ele não consegue. Isso é loucura. Loucura. Loucura.”
Pressão pós-debate
Após o desastroso debate de Biden com Trump em junho de 2024, Tapper e Thompson relatam que os assessores mais próximos de Biden tentaram superar o desastre como se nada tivesse acontecido.
“Na verdade, o debate tornou os assessores do democrata mais atentos a sinais de deslealdade”, escrevem os autores. “Eles viram o debate apenas como o mais recente exemplo de desconsideração de Biden.”
Nos bastidores, os democratas pediram para o círculo íntimo do democrata convocar o presidente em eventos improvisados.
Mas os autores escrevem que Biden “não conseguiu fazer o que as pessoas pediam para ele fazer para provar perspicácia”.

Um assessor de campanha relatou uma discussão pós-debate com o ex-presidente a bordo do Air Force One.
“O que estamos fazendo aqui?”, pensou o assessor enquanto o presidente falava. “Esse cara não consegue formar uma frase sequer”, segundo o livro.
“Se eu tivesse uma conversa como essa com alguém que não fosse o presidente, estaria preocupado com a saúde dele. E aqui está ele, o presidente em exercício dos Estados Unidos”, acrescentou.
À medida que um número crescente de democratas pedia que Biden se afastasse, o presidente e a família inicialmente se posicionaram.
Quando Jill Biden visitou Michigan em 3 de julho, a então senadora Debbie Stabenow defendeu o presidente com veemência.
A senadora pediu um minuto com a primeira-dama, dizendo a ela que os ex-colegas do Senado estavam preocupados com ele.
“Não sabemos se isso foi algo isolado ou se há algo mais acontecendo com o presidente”, comentou Stabenow à primeira-dama.
“Mas você sabe”, escrevem os autores. “A primeira-dama não respondeu à pergunta implícita do senador, mas depois se irritou com a equipe da Casa Branca.”
Biden e a esposa defenderam o desempenho como presidente em uma entrevista conjunta no programa “The View”, da ABC, no início deste mês, refutando as sugestões de que ele sofreu declínio cognitivo no último ano de mandato.
“As pessoas que escreveram esses livros não estavam na Casa Branca conosco e não viram o quanto Joe trabalhava duro todos os dias”, afirmou Jill Biden.
O ex-presidente Barack Obama e o então líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, estavam preocupados com o fato de os principais assessores de Biden não estarem fornecendo ao presidente os dados crus de que ele precisava para avaliar quão terríveis eram as chances de reeleição, escrevem os autores.
Obama disse a Schumer que ele deveria conversar com o Biden e apresentar os dados.

O chefe de Gabinete da Casa Branca, Jeff Zients, manteve-se em segredo, mas considerou que o democrata deveria desistir após o debate, relatam Tapper e Thompson.
Zients tentou marcar uma reunião para o ex-presidente obter os dados diretamente de seus pesquisadores, mas ele testou positivo para Covid naquela semana e teve que se isolar, então os pesquisadores apenas informaram a equipe sênior de Biden.
Antes da decisão dele de abandonar a disputa em julho de 2024, Schumer insistiu em se encontrar com o presidente e viajou para Delaware para a difícil conversa.
Os autores escrevem que Schumer disse ao demorata que ele só obteria cinco votos se houvesse uma votação secreta dos democratas do Senado sobre se ele deveria continuar concorrendo.
Schumer o alertou de que não estava “obtendo informações sobre as chances” e falou sobre o legado de Biden, escrevem os autores.
Se houvesse uma vitória esmagadora dos democratas, Schumer alertou que o democrata “entraria para a história americana como uma das figuras mais sombrias”.
“Você acha que Kamala pode vencer?”, Biden perguntou a Schumer.
“Não sei se ela pode vencer”, respondeu Schumer, de acordo com o livro. “Só sei que você não consegue.”
Este conteúdo foi originalmente publicado em Livro revela como democratas acobertaram declínio mental e físico de Biden no site CNN Brasil.