O universo dos bebês reborn, bonecos hiper-realistas que imitam crianças de verdade, tem ganhado destaque nas redes sociais e, mais recentemente, chegado aos tribunais. O que começou como um fenômeno cultural e emocional agora gera conflitos que levantam questões complexas para o Direito.
Um dos casos que ganhou notoriedade envolve um casal que, após o fim do relacionamento, passou a disputar a “guarda” de uma boneca reborn. Segundo a advogada e influenciadora Suzana Ferreira, procurada pela cliente em questão, o impasse vai além da posse do objeto, incluindo a regulamentação da “convivência” com a boneca (referida como “filha reborn”), a divisão dos custos com a boneca e seu enxoval, e a disputa pela administração dos perfis da bebê reborn nas redes sociais.
Suzana Ferreira ressaltou que não se trata de uma brincadeira online, mas sim de “demandas reais” que refletem a “loucura da sociedade” e impactam diretamente a profissão legal. O perfil da boneca nas redes sociais é visto como um “ativo digital atualmente”, pois gera engajamento, publicidades e lucros.
“O Instagram da bebê deveria ser das duas pessoas. A conta é um ativo digital atualmente, então também pode ser considerado como patrimônio”, disse Suzana.
Perspectiva jurídica
Apesar do apego afetivo que os tutores desenvolvem por esses bonecos, o centro da análise jurídica reside em outra questão do bebê reborn. Para os especialistas, a diferença fundamental entre disputas envolvendo crianças, animais e bonecos reborn é a natureza jurídica.
Crianças são “seres humanos com personalidade jurídica, sujeitos de direito”, protegidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), onde todas as garantias giram em torno do “melhor interesse da criança”.
Animais, embora o Código Civil atual ainda os trate como “bem imóvel”, têm tido vínculo afetivo com os tutores cada vez mais reconhecido pelo judiciário. Tribunais, inclusive o Superor Tribunal de Justiça, têm admitido decisões que regulam a convivência por meio de guarda compartilhada.
Caso específico
A reportagem da CNN conversou com especialistas que avaliam o cenário e apontam que tipo de abordagem a justiça pode – ou não pode – adotar diante dessas disputas.
Na visão dos especialistas, o bebê reborn é um objeto. Ele não possui personalidade, não tem vida e “não tem qualquer tipo de direito”. Vanessa Paiva, especialista em direito de família, enfatiza que o boneco “não é real e ele não tem necessidades reais”.
“Ele não se alimenta, ele não vai para uma escolinha, ele não perde roupas, ele não suja a fralda”.
Diante dessa natureza jurídica, especialistas são enfáticos: é juridicamente impossível falar em guarda no sentido tradicional para bebês reborn.
Segundo Kevin Sousa, advogado civilista, do ponto de vista jurídico, não há possibilidade técnica para outras questões como pensão alimentícia, porque a pensão alimentícia destina-se a suprir a necessidade de uma pessoa que não pode se sustentar, uma premissa que não se aplica a um boneco.
“Não há, a meu ver, como juridicamente a gente falar em guarda, pensão no sentido tradicional“, afirma Kevin.
Tatiana Naumann, especialista em direito de família, corrobora com essa corrente.
“Entendo que se trata de um pedido juridicamente impossível enquanto as bonecas não são sujeitos de direito. Não há como se equiparar, por exemplo, com os pets, de fato sujeitos de direito e estão sendo considerados pela Justiça em casos de guarda”, afirma Naumann.
Foco no patrimônio e na posse
Apesar da impossibilidade de aplicar conceitos tradicionais de Direito de Família como guarda e pensão, o judiciário está sendo chamado a lidar com esses conflitos. Os especialistas sugerem que a atuação da justiça exige “muita cautela”.
“A abordagem jurídica deve se dar dentro dos “limites legais”, tratando a situação como a disputa por um bem indivisível”, afirma Kevin, mencionando a possibilidade de se estabelecer um “condomínio voluntário desse bem móvel”.
Além da esfera jurídica, os casos envolvendo bebês reborn também evidenciam questões sociais e psicológicas. Os especialistas reconhecem que existe um “apego afetivo que deve se respeitado” por parte dos tutores.
Para Vanessa Paiva, casos como esse, que envolvem um ser inanimado, poderiam ter um atendimento prioritário “psicológico e social”. Ela avalia que essas situações podem refletir questões de “sanidade mental” em tempos desafiadores.
“O judiciário não pode ser uma máquina de conforto, de brincadeira, de disputa de uma boneca”, declara Paiva.
Projetos de Lei em resposta à polêmica
Em paralelo às disputas judiciais, a repercussão dos casos de uso dos bebês reborn em espaços públicos e para obter benefícios levou à apresentação de três projetos de lei no Congresso Nacional.
A proposta visa criar restrições ao uso desses bonecos, proibindo sua utilização para obter benefícios como atendimento em unidades de saúde (públicas ou privadas) ou filas preferenciais.
Alguns PLs buscam tipificar como infração administrativa a simulação da presença de criança de colo para obter vantagens, prevendo multas que podem variar de cinco a 20 salários mínimos.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Bebês reborn: especialistas avaliam disputas por guarda e direitos no site CNN Brasil.