Além de frei Gilson: quem são os padres influencers da Igreja Católica


Eles pregam ao vivo pelo YouTube, em aplicativos de oração, evangelizam em podcasts, respondem a dúvidas dos fiéis nas caixinhas de perguntas do Instagram, vendem cursos online e fazem “publi”.
Padres Mario Sartori, Patrick Fernandes, Chrystian Shankar e Reginaldo Manzotti: sacerdotes têm milhões de seguidores nas redes
Reprodução
Os 40 dias de oração que levaram milhões de pessoas na madrugada ao canal do YouTube de frei Gilson — e que acabaram transformando o clérigo em personagem no embate político entre direita e esquerda — chegaram ao fim no último sábado (19/04).
Em um evento presencial na arena da comunidade católica Canção Nova, no interior de São Paulo, o frade carmelita reuniu milhares de pessoas no encerramento da quaresma, o período de reflexão e penitência praticado pelos católicos entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Páscoa.
Frei Gilson prega na internet há pelo menos uma década e, nos últimos anos, se consolidou como uma das principais lideranças católicas do Brasil nas redes sociais. Há pouco mais de um mês, contudo, ele ganhou projeção ainda maior e furou a bolha católica ao virar objeto da polarização que divide conservadores e progressistas no país.
Fé nas madrugadas: como é uma live de Frei Gilson, que atrai milhões na Quaresma
No início da quaresma, o trecho de uma pregação de 2024 em que o religioso criticava o “desejo de poder” das mulheres e afirmava que elas nasceram para serem “auxiliares” aos homens viralizou, provocando críticas da esquerda e ensejando a defesa de políticos de direita como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o deputado federal Nikolas Ferreira (PL).
Frei Gilson tinha então cerca de 7 milhões de seguidores no Instagram — 40 dias depois, esse número subiu para 9,2 milhões.
Por conta da polêmica e das lives às 4h da manhã que chegaram a reunir mais de um milhão de fiéis, ele se tornou o rosto mais conhecido de uma tendência que vai além da sua figura e segue ganhando fôlego no Brasil, o dos “clérigos influencers”.
Depois do fenômeno dos padres cantores, que ganharam projeção nos anos 1990 com nomes como o de Marcelo Rossi e no início dos anos 2000 com figuras como Fábio de Melo, nos últimos anos as redes sociais forjaram um novo tipo de pároco midiático.
Eles pregam ao vivo pelo YouTube, em aplicativos de oração, evangelizam em podcasts, respondem a dúvidas dos fiéis nas caixinhas de perguntas do Instagram, vendem cursos online e fazem “publi”.
Os pioneiros foram os sacerdotes de viés mais conservador, que “perceberam que poderiam ter um público muito maior do que aquele determinado pelo bispo [que governa sua diocese]” para difundir as pautas que julgavam importantes, observa o historiador Víctor Gama, que pesquisa a direita dentro do catolicismo brasileiro.
O padre Paulo Ricardo, por exemplo, um dos pioneiros nesse sentido, há 13 anos subiu no YouTube um curso em seis episódios sobre “marxismo cultural” e sua suposta influência dentro da igreja (leia mais abaixo). Em seu site, ele diz que foi “foi profundamente influenciado por Olavo de Carvalho”, escritor apontado como um dos ideólogos do bolsonarismo.
Com o tempo — e o crescimento da audiência —, o conteúdo dos clérigos que ganharam visibilidade nas redes foi se diversificando.
“Uma vez que você alcança esse patamar de macroinfluenciador, você precisa jogar o jogo”, diz observa Moisés Sbardelotto, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e pesquisador da religiosidade no ambiente digital
A lógica do engajamento se impôs aos ele como a qualquer outro influenciador, acrescenta o especialista, que é coautor do livro Influenciadores Digitais Católicos: Efeitos e Perspectivas, lançado no ano passado.
Isso significou dar prioridade aos assuntos que mexem com “emoções fortes” — que alimentam ódio ou ressentimento, ele exemplifica —, ao bom humor e à teologia “coach”, como o pesquisador se refere à mistura entre religião e autoajuda que hoje faz sucesso em muitos desses perfis.
“Tem um certo paradoxo entre a fé e essas lógicas digitais”, comenta Sbardelotto. “Como ela sobrevive na sua autenticidade num ambiente que é pautado no fundo pelo lucro?”
A BBC News Brasil mapeou 7 padres influenciadores em todas as regiões do país:
Padre Adriano Zandoná
Com cerca de 2 milhões de seguidores no Instagram, 1,6 milhão no YouTube e 1,4 milhão no Facebook, o sacerdote tem uma disciplina de influencer nas redes sociais, com publicações diárias, lives e “cortes”.
Zandoná é membro da Canção Nova, uma comunidade católica com forte presença midiática ligada à renovação carismática, movimento do qual padre Marcelo Rossi faz parte e que surgiu na Igreja Católica nos anos 60 com práticas mais próximas do pentecostalismo, como a glossolalia (falar em línguas) e maior presença de música nas missas.
Ele celebra missas no Santuário da Canção Nova, em Cachoeira Paulista (SP), e no Santuário Mãe de Deus, na capital paulista, onde prega às vezes ao lado de Marcelo Rossi, que ele aponta como influência fundamental na descoberta de sua vocação.
Em um sermão alguns anos atrás, disse ter largado as drogas depois de ganhar um CD do clérigo midiático.
Assim como ele, Zandoná também se tornou padre cantor. Seu primeiro DVD, gravado ao vivo no Teatro Municipal de São Paulo em 2021, tem um “feat” com frei Galvão, com quem o pároco dividiu o palco no show de Páscoa promovido no último domingo (20/4) na arena Canção Nova.
Padre Chrystian Shankar
O padre da Diocese de Divinópolis, em Minas Gerais, reúne 2,4 milhões de seguidores no YouTube e 3,5 milhões no Instagram.
Shankar ganhou popularidade postando cortes de suas pregações no Santuário de Frei Galvão, vídeos curtos bem-humorados (em um recente ele comentava que novamente tinha esquecido de colocar o pente na mala em uma viagem para Curitiba e teria de gravar descabelado) e “trends”, como a do boneco na caixa e a do filtro de fotos no estilo dos desenhos do estúdio japonês Ghibli.
O pároco compartilha bastante conteúdo motivacional, difundido também em um treinamento presencial batizado de “vida com propósito” — o próximo, a ser realizado em maio em um hotel em Curitiba, está sendo vendido a R$ 1.849,90 — e tem uma plataforma de estudos católicos, por meio do qual vende cursos online.
Padre Josileudo Queiroz
O clérigo da paróquia São José Operário da Arquidiocese de Fortaleza faz sucesso nas redes com o quadro “pergunte ao padre”, em que responde a questionamentos dos fiéis de forma bem-humorada:
“Benção padre, o que o senhor acha de quem ama a ex?”, perguntou um seguidor.
“Meu filho, escute”, responde o padre, emendando a música da cantora Manu Bahtidão: “Quando o universo não quer, não bata de frente. Nem tudo o que a gente quer é o melhor pra gente.”
“Filho, siga sua vida. Recomece e deixa ela seguir a vida dela. Aceita o fim, criatura!”, conclui o sacerdote.
Queiroz tem 18 anos de sacerdócio e produz conteúdo na internet desde 2019. Hoje são 2 milhões de seguidores no TikTok e 1,7 milhão no Instagram, com os quais ele interage no “perguntódromo” usando como bordões duas expressões cearenses: “é muito massa” e “é muito paia”, que acompanha os temas que considera bons e ruins, respectivamente.
Padre Mario Sartori
O pároco do Santuário São José de Alto Piquiri, no Paraná, é outra figura da nova geração de padres cantores influencers.
Tem cerca de 1,1 milhão de inscritos em seu canal do YouTube, onde diariamente publica suas pregações, as “homilias diárias”, e mais de meio milhão de seguidores no Instagram.
Sartori também organizou uma comunidade virtual com a qual compartilha vídeos para formação espiritual, um plano de leitura bíblica, reflexões sobre o evangelho e suas músicas. Os “assinantes” pagam R$ 7,99 por mês para terem acesso aos conteúdos.
Padre Paulo Ricardo
Com mais de 30 anos de sacerdócio, é também um veterano da internet. No site que leva seu nome, o padre da Arquidiocese de Cuiabá, no Mato Grosso, diz ter começado o apostolado virtual há quase duas décadas, em 2006.
A projeção como influencer é mais recente. Paulo Ricardo se tornou conhecido durante a ascensão do bolsonarismo com falas contra a esquerda e por posicionamentos compartilhados nas redes sociais por eleitores de Jair Bolsonaro.
O padre também aparece em vídeos reproduzidos no perfil do ex-presidente. Em um deles, de 2019, em uma “reflexão sobre o desarmamento”, afirma que “a Igreja não é pacifista, mas é pacífica”, e que católicos teriam direito à legítima defesa.
Ele acumula hoje 2,5 milhão de seguidores no Instagram e 2 milhões no YouTube, onde posta homilias diárias e mantém uma playlist de seis episódios sobre “marxismo cultural”.
Seu site reúne uma série de cursos pagos — Como Educar os Filhos para o Céu, Como Ler a Bíblia —, recentemente disponibilizados também em um aplicativo.
Padre Patrick Fernandes
O padre da Diocese de Marabá, no Pará, começou a pregar na internet durante a pandemia, quando as missas presenciais foram suspensas, e ganhou popularidade compartilhando fotos de viagens, imagens de seu dia-a-dia, reflexões e respostas bem humoradas às perguntas dos fiéis:
“Padre também tem pecado?”, questionou uma devota. “Tem? Tem, eu julgo, eu mango… eu não verbalizo, mas eu adoro mangar das pessoas no meu coração. Tipo assim, tô num casamento e: ‘meu Deus que roupa feia do Diabo é essa…'”, ele rebateu.
O pároco da igreja de São Sebastião, em Parauapebas, hoje tem 6,6 milhões de seguidores no Instagram e 1,1 milhão no TikTok.
No momento, está em turnê com o espetáculo “Bença, Padre”, um stand up que mistura humor, música e religião e deve passar por mais de 20 cidades pelo país até o fim de junho.
Padre Reginaldo Manzotti
O pároco do Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba, é um tele-evangelizador veterano. Prega na TV e no rádio desde o início dos anos 2000 e também tem uma longa carreira musical, que o levou a ser contratado da gravadora Som Livre entre 2008 e 2019.
A trajetória midiática acabou levando-o também à internet e às redes sociais, onde soma 6,3 milhões de seguidores no Instagram, 4,9 milhões no YouTube e 1,7 milhão no TikTok.
O padre produz muito conteúdo. Seus perfis costumam publicar mais de um post por dia, entre trechos de missas, reflexões e leituras — dos quais os devotos são notificados por meio de um canal no WhatsApp.
Ele também tem uma agenda de eventos movimentada, com participações em festas religiosas pelo país, shows, retiros e acampamentos.
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