
Espécie não é vista com facilidade na área. Trabalhos junto à palmeira-juçara fornecem alimento para as aves. Jacutingas surpreendem pesquisadores no Parque das Neblinas, em São Paulo
O registro de jacutingas (Aburria jacutinga) no Parque das Neblinas, em São Paulo, surpreendeu os biólogos Renata Beco e Ruan Vaz, pesquisadores da Universidade do Tennessee e da Universidade de São Paulo. Eles realizavam estudos comportamentais com aves da região, utilizando estímulos vocais e visuais para avaliar respostas da fauna. Durante um trabalho de campo na Trilha da Pedra Riscada, os pesquisadores ouviram sons característicos e, ao observarem a mata, identificaram as jacutingas. O encontro ocorreu no fim de março, mas acabou ganhando repercussão recentemente.
“Foi um momento muito especial, pois foi a primeira vez que vimos essa ave na natureza e sabemos da dificuldade, cada vez maior, em avistá-la. Saber que uma espécie ameaçada de extinção está por aqui, indica que o ambiente do Parque fornece condições adequadas para elas e, consequentemente, para muitas outras espécies de animais e plantas”, afirma Renata Beco.
A ave é ameaçada de extinção, algo causado pela caça ilegal e pela perda de seu habitat. Novas pesquisas devem ser realizadas para determinar a população exata desses animais no Parque.
O Parque das Neblinas é uma reserva ambiental particular da empresa de celulose Suzano e é gerido pela ONG Instituto Ecofuturo. Esses indivíduos avistados estavam em uma área próxima da circulação de visitantes, algo inédito já que os avistamentos anteriores ocorrem em lugares mais isolados do Parque. Os especialistas acreditam que o registro das jacutingas está diretamente ligado às condições de conservação do lugar, especialmente à abundância da palmeira-juçara (Euterpe edulis), fundamental para a alimentação da jacutinga.
sons característicos e, ao observarem a mata, identificaram as jacutingas. O encontro ocorreu no fim de março, mas acabou ganhando repercussão recentemente.
Matheus Bittencourt
Iniciativas do Instituto
Desde 2008, o Instituto Ecofuturo promove ações de Regeneração Natural Assistida (RNA), com o plantio e dispersão de sementes da juçara. Até agora, mais de 9 milhões de sementes foram dispersadas na reserva. A juçara frutifica em um período de escassez de alimentos na floresta. O Ecofuturo realiza a compra do fruto da palmeira-juçara entre os proprietários do entorno, para promover a variabilidade genética da espécie e a geração de renda a partir da conservação da floresta.
Ao mesmo tempo, as jacutingas atuam como importantes dispersoras de sementes. Elas engolem os frutos, retiram a polpa no papo e regurgitam ou defecam as sementes, plantando assim novas árvores. Esse equilíbrio ecológico demonstra como a conservação de uma única espécie pode impactar positivamente em todo um ecossistema.
A busca pela conservação
No século passado, entre as décadas de 1940 e 1950, a área onde hoje fica o Parque das Neblinas, entre os municípios paulistas de Mogi das Cruzes e Bertioga, foi desmatada pelo setor siderúrgico para a produção de carvão. Tempos depois, no lugar de mata nativa foram plantados eucaliptos com o mesmo fim. Já nos anos 1960, a empresa comprou a propriedade e seguiu com o manejo para a produção de celulose e papel.
A mudança de conceito da área teve início na década de 1980, quando a empresa criou a área de sustentabilidade com conceitos ambientais voltada para a conservação do local. Em 1999, o Instituto Ecofuturo, organização não governamental, foi criada com o propósito de transformar a relação das pessoas com a natureza.
Com 7 mil hectares de Mata Atlântica o parque é hoje uma das Unidades de Conservação privadas no Brasil com o maior número de espécies registradas do bioma Mata Atlântica. São cerca de 1,4 mil espécies. Além disso, o Parque das Neblinas protege 530 nascentes, que dão origem ou contribuem para a formação dos principais rios da região, como o Itatinga.
No espaço são desenvolvidas atividades de ecoturismo, educação ambiental, pesquisa científica, manejo e restauração florestal e participação comunitária da região. O Parque das Neblinas tem como propósito oferecer experiência e conexão com a natureza por meio do turismo ecológico, conscientizando a importância do contato com o meio ambiente. Entre as atividades estão: birdwatching, trilhas autoguiadas e monitoradas, cicloturismo, canoagem e camping.
as jacutingas atuam como importantes dispersoras de sementes
Arquivo pessoal / Mauro Galetti
O avistamento das jacutingas no Parque das Neblinas não é apenas um feito para a ciência, é um símbolo de esperança. Ele reforça a importância da conservação contínua e das práticas regenerativas que transformam paisagens devastadas em refúgios para a vida. Proteger a natureza é garantir que reencontros como esse, entre espécies ameaçadas e os ambientes que as sustentam, continuem acontecendo. E, acima de tudo, é garantir que a floresta volte a falar e a voar por si mesma.
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