Um réptil extinto gigantesco que costumava se alimentar de dinossauros tinha um focinho largo como o de um jacaré, mas devia seu sucesso a uma característica que os jacarés modernos não possuem: tolerância à água salgada. A descoberta foi relatada em estudo publicado nesta quarta-feira (23) na na quarta-feira na revista Communications Biology.
O Deinosuchus foi um dos maiores crocodilianos que já existiu, com um corpo quase tão longo quanto um ônibus e dentes do tamanho de bananas. De aproximadamente 82 a 75 milhões de anos atrás, esse predador dominante nadava em rios e estuários da América do Norte.
O crânio era largo e comprido, com uma protuberância bulbosa na ponta, diferente de qualquer estrutura craniana vista em outros crocodilianos. Marcas de dentes em ossos do Cretáceo sugerem que o Deinosuchus caçava ou se alimentava de dinossauros.
Apesar de seu nome científico, que significa “crocodilo terror”, o Deinosuchus é comumente chamado de “jacaré maior”, e avaliações anteriores de suas relações evolutivas o agrupavam com jacarés e seus parentes antigos. No entanto, uma nova análise de fósseis, junto com DNA de crocodilianos vivos como jacarés e crocodilos, sugere que o Deinosuchus pertence a uma parte diferente da árvore genealógica dos crocodilianos.
Diferentemente dos aligatoroides, o Deinosuchus manteve as glândulas de sal dos crocodilianos ancestrais, permitindo que tolerasse água salgada, relataram os cientistas no estudo. Os crocodilos modernos têm essas glândulas, que coletam e liberam excesso de cloreto de sódio.
A tolerância ao sal teria ajudado o Deinosuchus a navegar pelo Western Interior Seaway, que uma vez dividiu a América do Norte, durante uma fase de efeito estufa marcada pela elevação global do nível do mar. O Deinosuchus poderia então ter se espalhado pelo continente para habitar pântanos costeiros em ambos os lados do antigo mar interior e ao longo da costa atlântica da América do Norte.
A árvore genealógica revisada do novo estudo para crocodilianos oferece novos insights sobre a resiliência climática do grupo e sugere como algumas espécies se adaptaram ao resfriamento ambiental enquanto outras foram extintas.
Com glândulas de sal que permitiam ao Deinosuchus viajar onde seus primos aligátoroides não conseguiam, o crocodilo-do-terror se estabeleceu em habitats repletos de presas grandes. O Deinosuchus evoluiu para se tornar um predador enorme e disseminado que dominava ecossistemas pantanosos, onde se alimentava de praticamente tudo o que desejava.
“Ninguém estava seguro nesses pântanos quando o Deinosuchus estava por perto”, afirma o autor sênior do estudo, Dr. Márton Rabi, professor do Instituto de Geociências da Universidade de Tübingen, na Alemanha. “Estamos falando de um animal absolutamente monstruoso”, diz Rabi à CNN. “Definitivamente com cerca de 8 metros ou mais de comprimento total”.
Um caso atípico entre os jacarés
Desde meados do século XIX, fósseis de Deinosuchus foram encontrados em ambos os lados do antigo mar e pertencem a pelo menos duas espécies. A maior delas, Deinosuchus riograndensis, vivia no lado oeste, ao longo da costa leste de uma ilha chamada Laramidia. Limitada a oeste pelo Oceano Pacífico, a Laramidia compunha menos de um terço da massa terrestre da América do Norte. A outra porção insular do continente era conhecida como Apalaches.
Embora o Deinosuchus tenha sido classificado há muito tempo como parente do jacaré, sua distribuição em ambos os lados desse vasto canal marítimo era um enigma sem solução. Se fosse um aligatoroide — um grupo que hoje vive apenas em água doce — como o Deinosuchus poderia atravessar um mar com mais de 1.000 quilômetros de extensão? Uma hipótese sugeria que os primeiros jacarés eram tolerantes à água salgada e, posteriormente, perderam essa característica. Mas essa interpretação não tinha muitas evidências para sustentá-la; dependia apenas da inclusão do Deinosuchus no grupo dos aligatoroide, explicou Rabi.
Outra possível explicação seria que o Deinosuchus se dispersou pela América do Norte antes da formação da Via Marítima Interior Ocidental, dividindo as populações ocidentais e orientais. No entanto, o registro fóssil não comprova isso. A via marítima surgiu há cerca de 100 milhões de anos, o que a torna aproximadamente 20 milhões de anos mais antiga do que os primeiros fósseis conhecidos de Deinosuchus.
“A imagem não era muito coerente”, afirma Rabi.
Para a nova análise, os pesquisadores incorporaram dados de crocodilianos extintos que não foram amostrados nas árvores genealógicas anteriores do grupo. Esses “elos perdidos” ajudaram a equipe a conectar espécies que anteriormente não eram reconhecidas como relacionadas e a remontar a ordem em que certos traços surgiram no grupo.
“Nossa análise descobriu que a tolerância à água salgada é uma característica bastante antiga de muitos crocodilianos, e foi secundariamente perdida nos aligatoroides”, diz Rabi.
Ter mesmo uma tolerância moderada ao sal teria beneficiado muito os antigos parentes dos crocodilos à medida que as mudanças climáticas remodelavam seus habitats, segundo Evon Hekkala, professora e chefe do departamento de ciências biológicas da Universidade Fordham em Nova York.
“Essa característica ecológica teria permitido que linhagens de crocodilos no passado fossem mais oportunistas em momentos em que mudanças ambientais drásticas, como a elevação do nível do mar, estavam causando extinções em espécies menos tolerantes”, diz Hekkala, que não participou do estudo.
Não é um “jacaré maior”
Os pesquisadores também construíram uma nova árvore genealógica crocodiliana usando dados moleculares de crocodilianos modernos para esclarecer características compartilhadas por todos os aligatoroides. Os primeiros jacarés eram muito menores que outros crocodilianos que viviam na mesma época, descobriu a equipe.
Os jacarés começaram a evoluir para os tamanhos corporais maiores vistos hoje há cerca de 34 milhões de anos, depois que o clima esfriou e sua competição foi extinta. Mas quando os aligatoroides apareceram pela primeira vez, o Deinosuchus teria sido um caso à parte devido à sua massa enorme, de acordo com o novo estudo.
O nanismo nos primeiros aligatoroides foi outra pista de que o gigante Deinosuchus não era um “grande jacaré”, e provavelmente divergiu para um ramo diferente da árvore genealógica antes que os aligatoroides evoluíssem, segundo Rabi.
A abordagem do estudo — combinando uma nova árvore molecular com morfologia, ou análise de formas corporais e cranianas em crocodilianos — pinta um quadro mais claro de como o Deinosuchus evoluiu, diz Hekkala. Afastar o Deinosuchus dos aligatoroides “se encaixa muito melhor com nossa compreensão atual da flexibilidade ecológica entre os crocodilos extintos e vivos”, acrescenta. “Este novo artigo realmente alcança tanto o papel evolutivo quanto ecológico deste animal incrível.”
Embora o Deinosuchus fosse um dos maiores crocodilianos, não era o único gigante. Crocodilianos massivos evoluíram independentemente em ambientes aquáticos mais de uma dúzia de vezes nos últimos 120 milhões de anos durante todos os tipos de fases climáticas globais — incluindo eras glaciais, de acordo com o estudo. Mesmo em espécies vivas, relatos de indivíduos medindo 7 metros ou mais persistiram até o século XIX, sugerindo que o enorme Deinosuchus era a regra e não a exceção.
Fósseis revelam como répteis da época dos dinossauros voavam
Este conteúdo foi originalmente publicado em Fóssil revela “crocodilo do terror” que caçava dinossauros no site CNN Brasil.