Katy Perry vai mesmo chegar ao espaço? Conheça a Linha de Kármán

A Blue Origin levará uma tripulação estrelada de seis passageiras mulheres à borda do espaço nesta segunda-feira, em uma das missões de turismo espacial suborbital mais observadas dos últimos anos.

O voo durará cerca de 10 minutos — levando o grupo a mais de 100 quilômetros de altitude e oferecendo alguns minutos de ausência de gravidade antes do retorno.

Mas em que momento durante o voo a cantora Katy Perry, a jornalista Gayle King e suas companheiras de viagem alcançarão o “espaço”?

Será quando olharem pela janela e o brilho azul do céu se transformar em negro? Será quando atingirem uma altitude em que os satélites podem orbitar? Ou será quando a atmosfera ficar tão fina que não terá mais um papel decisivo na física do voo?

 

 

Na comunidade de voos espaciais, não há uma definição definitiva.

O espaço pode ser definido de várias maneiras, e a utilidade dos critérios para determinar onde ele começa pode depender do cenário. É por isso que várias organizações ao redor do mundo usam diferentes altitudes para marcar esse limiar invisível para fins de registro.

E para o turismo espacial suborbital, discutir definições pode ganhar vida própria.

A Blue Origin e a Virgin Galactic, por exemplo, são conhecidas por debaterem publicamente sobre o assunto — principalmente por causa de uma forma específica de definir o espaço: a linha de Kármán.

O que faz um astronauta?

Talvez a demarcação mais conhecida e controversa do espaço, a linha de Kármán está a 100 quilômetros acima do nível do mar.

Os voos suborbitais New Shepard da Blue Origin passam logo acima dessa altitude.

Mas sua principal concorrente, a Virgin Galactic, não alcança essa altitude. Seus voos até agora chegaram a cerca de 88,5 quilômetros, ainda além da marca de 81 quilômetros que o governo dos EUA há muito usa para definir o espaço.

Ainda assim, a Blue Origin tem apontado para a linha de Kármán para afirmar que suas viagens são um caminho mais legítimo para ganhar o status de “astronauta”, dizendo em uma postagem nas redes sociais em 2021 que “nenhum de nossos astronautas tem um asterisco ao lado do nome” — uma crítica sutil à Virgin Galactic.

Definir um astronauta, no entanto, é quase uma questão completamente diferente. Nos primeiros dias dos voos espaciais, o governo dos EUA estabeleceu a definição de 81 quilômetros como base para conceder distintivos de astronauta a pilotos militares e da Nasa.

A Administração Federal de Aviação também concedeu asas de astronauta comercial a aventureiros do setor privado que alcançaram mais de 81 quilômetros. Mas a agência praticamente abandonou esse programa em 2021, optando por listar os participantes em seu site em vez de conceder distintivos físicos aos aviadores do setor privado.

A SpaceX também concedeu seu próprio conjunto de asas prateadas a passageiros não-governamentais que voam em sua cápsula orbital Crew Dragon.

O ex-astronauta da Nasa Terry Virts disse à National Geographic em 2018 que não estava muito preocupado em controlar a designação de “astronauta”.

“Se você está amarrando seu traseiro a um foguete, acho que isso vale alguma coisa”, disse Virts à National Geographic em 2018 quando questionado sobre o assunto. “Quando eu era piloto de F-16, não me sentia com ciúmes dos pilotos de Cessna serem chamados de pilotos. Acho que todo mundo vai saber se você pagou para ser passageiro em um voo suborbital de cinco minutos ou se você é o comandante de um veículo espacial interplanetário. São duas coisas diferentes.”

Onde a ausência de peso acontece

No imaginário popular, no entanto, a ideia de um astronauta frequentemente evoca imagens de uma pessoa flutuando em ausência de gravidade, cercada pela extensão cósmica negra.

Mas experimentar a ausência de gravidade tem pouco a ver com altitude — pelo menos, não nas altitudes relativamente baixas em que a Blue Origin e a Virgin Galactic voam.

A atração gravitacional da Terra ainda estará puxando a cápsula da Blue Origin quando ela atingir a ausência de gravidade no apogeu, o termo usado em voos espaciais para o ponto mais alto de uma trajetória de voo.

Mas os astronautas ficarão sem peso porque a energia que o foguete e a cápsula acumularam após a decolagem será cancelada pela gravidade da Terra, proporcionando-lhes uma versão de alguns minutos da sensação que as pessoas experimentam quando atingem o pico de uma grande montanha-russa.

Em contraste, astronautas na Estação Espacial Internacional permanecem em gravidade zero por meses porque estão em órbita ao redor da Terra — o que requer velocidades muito maiores do que os voos suborbitais do New Shepard.

Os mantenedores de registros, no entanto, não estipularam que uma pessoa precise viajar até a órbita para ser considerada astronauta.

Pilotos civis e militares que comandaram aeronaves X-15 a altitudes acima de 81 quilômetros durante uma campanha de testes na década de 1960, por exemplo, receberam asas de astronauta.

A ciência da definição do espaço

O governo dos EUA usa a marca de 81 quilômetros para definir o espaço pelos mesmos motivos que outras organizações usam a linha de Kármán. Esta última pode apenas calcular o fenômeno de maneira diferente.

Theodore von Kármán, engenheiro e físico húngaro-americano e cofundador do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, foi um dos primeiros a tentar descrever a altitude em que a aeronáutica se torna astronáutica.

Mas mesmo as tentativas iniciais de Kármán na década de 1950 foram inexatas.

“A atmosfera é de fato dinâmica e flutua em densidade, o que torna qualquer delimitação imprecisa”, segundo um estudo de 2014 sobre a definição do espaço. Assim, “a linha de Kármán flutua entre” 84 quilômetros e 100 quilômetros.

Notavelmente, 100 quilômetros é como a Fédération Aéronautique Internationale, ou Federação Mundial de Esportes Aéreos, com sede na Suíça, define a linha de Kármán.

“Tem sido assim desde os anos 60”, disse Scott Neumann, presidente da Comissão de Registros Astronáuticos da federação, ICARE, à CNN.

A federação sugeriu em 2018 que poderia reduzir sua altitude definicional em resposta a novas pesquisas sobre a linha de Kármán — mas a organização acabou não tomando tal medida após analisar os números.

“Você tem este ponto máximo ideal, que chamamos de “altitude de velocidade máxima de equilíbrio”, e pode apontar para isso em um gráfico e dizer: “É aqui que você está começando a se tornar mais uma nave espacial e menos uma aeronave””, explicou Neumann. A “altitude de velocidade máxima de equilíbrio” refere-se à altitude em que a atmosfera se torna tão fina que uma embarcação não pode mais depender da dinâmica de voo dos aviões.

Em vez disso, o veículo precisará do tipo de velocidade que os motores de foguete fornecem.

Outra perspectiva

Enquanto a Fédération Aéronautique Internationale decidiu manter sua definição de 100 quilômetros, outros pesquisadores e instituições na indústria espacial não compartilham a mesma visão.

Spence Wise, vice-presidente sênior de missões espaciais da empresa de manufatura aeroespacial Redwire Space, disse à CNN que acredita que uma altitude mais precisa está mais próxima de 88 quilômetros.

Wise disse que essa definição deriva do comportamento de veículos — principalmente propulsores de foguetes descartados — que retornaram do espaço após serem arrastados para fora da órbita pela fricção atmosférica. Para contextualizar, o “vácuo” do espaço nem sempre é um vácuo. A atmosfera da Terra na verdade se dissipa ao longo de milhares de quilômetros.

“Mas o que você pode ver consistentemente é que em algum lugar entre 90 quilômetros e 88 quilômetros, esses corpos de foguetes, conforme estão reentrado (na atmosfera), param de agir como se estivessem principalmente à deriva no espaço — sendo conduzidos pelo comportamento da órbita Kepleriana”, disse Wise, referindo-se aos princípios do movimento planetário descritos por Johannes Kepler no século XVII. “E eles começam simplesmente a cair do céu.”

Satélites e naves espaciais também podem viajar brevemente ainda mais perto da Terra durante suas órbitas — tão próximo quanto 80 a 90 quilômetros de altura — sem serem imediatamente arrastados para baixo. Na linguagem aeroespacial, essas espaçonaves que voam baixo são chamadas de satélites de órbita terrestre muito baixa, ou VLEO.

O arrasto atmosférico torna-se mais proeminente em altitudes orbitais mais baixas, e isso é uma consideração fundamental ao projetar um veículo.

“Você pode realmente baixar as órbitas, talvez até 150 quilômetros — mas há um custo a pagar por isso. … Você provavelmente está projetando algo que passa todo seu tempo tentando permanecer em órbita”, disse Wise.

Em resumo: quando se trata de definir o espaço, os cálculos e considerações mudam dependendo do objeto espacial em questão.

“Alguns especialistas observaram que função e propósito podem levar a distinções mais apropriadas entre aeronaves e espaçonaves do que a altitude”, afirma o artigo de 2014.

E as distinções podem se tornar cada vez mais nebulosas à medida que a tecnologia evolui e novos tipos de veículos conseguem realizar diferentes tipos de voo.

Então, essas definições realmente importam?

“É engraçado pensar nisso”, disse Wise. “Ainda vale a pena escalar o Everest? Precisamos dessas normas ou definições acordadas sobre essa coisa difícil e épica a se fazer. Então, particularmente no contexto de viagens comerciais ao espaço, acho que a linha de Kármán é algo totalmente adequado.”

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Este conteúdo foi originalmente publicado em Katy Perry vai mesmo chegar ao espaço? Conheça a Linha de Kármán no site CNN Brasil.

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