Conheça história da loja que deixou carros 0 km abandonados por 20 anos

O ano era 2002, e o carro mais vendido do Brasil era Volkswagen Gol. O carro completava 15 anos na liderança e vendia 208 mil unidades anuais. Era a ocasião perfeita para a montadora exibir um pouco mais de seus concessionários para ampliar as vendas. Foi nesse contexto que surgiu um dos casos mais inusitados da história do mercado automotivo no país — e que ganhou novos capítulos em 2025.

O episódio conhecido como concessionária fantasma chamou atenção por uma frota de carros 0 km intocados por mais de duas décadas. Entre os modelos estavam um Volkswagen Quantum e Fuscas da série Itamar, que permaneceram protegidos do tempo e do uso até serem finalmente vendidos em 2025.

A história remonta justamente a 2002, quando a concessionária Comercial Gaúcha Volkswagen deixou de ser credenciada pela montadora. O motivo da descontinuação foi a baixa demanda na cidade de Estrela (RS), que não atingia a meta mínima de vendas estabelecida pela Volkswagen.

Enquanto a fabricante exigia que a loja comercializasse cerca de 60 carros por mês, a realidade local impunha um limite bem mais modesto, com menos de 20 unidades vendidas mensalmente. Na época a cidade vizinha a Lajeado e Arroio do Meio tinha cerca de 27 mil habitantes.

O convencional nestas situações era o proprietário trocar de montadora ou virar uma revenda multimarcas de novos e usados. Mas eis que surgiu o fato inusitado: o concessionário Otmar Essig recusou-se a vender os carros remanescentes.

Ao invés disso, optou por mantê-los dentro da loja, como se fosse um museu particular.


Fusca 1996 Itamar foi mantido fechado por mais de 30 anos
Fusca 1996 Itamar foi mantido fechado por mais de 30 anos • Reprodução

Já idoso, o empresário seguiu uma rotina disciplinada: todos os dias, por volta das 6h30 da manhã, chegava à concessionária para tomar chimarrão e conversar com amigos que passavam por ali. Otmar morava em Arroio do Meio e fazia o trajeto num Volkswagen Fusca, também resgatado, com cerca de 80 mil quilômetros rodados. Ele mesmo cuidava da limpeza dos veículos, mantendo-os impecáveis, como se estivessem à espera de um comprador que nunca viria.

Apesar da curiosidade despertada pelos modelos expostos na vitrine, Otmar nunca demonstrou interesse em vendê-los. Um pouco dessa história foi revelada por Anderson Dick, que atuou na venda da frota ao novo proprietário. “Há relatos de compradores insistentes que tentaram adquirir os veículos, mas sempre recebiam a mesma resposta: os carros não estavam à venda”.


Fusca era de uso pessoal do proprietário da concessionária e está em excelente estado de conservação
Fusca era de uso pessoal do proprietário da concessionária e está em excelente estado de conservação • Divulgação/FuelTech

Dono da FuelTech, onde os carros foram levados, conta que descobriu um episódio curioso: “Um fiscal chegou a ser chamado para avaliar a situação, já que os carros expostos davam a entender que estavam disponíveis para compra. Para evitar problemas, Otmar colocou adesivos nos vidros com a mensagem clara de que não estavam à venda“.

Essa rotina durou de 2002 até 2017, quando Otmar Essig apresentou problemas de saúde e não pôde mais cuidar da antiga concessionária. O empresário faleceu em 2022, e a família manteve os veículos intocados por mais alguns anos, preservando o legado e respeitando a vontade de Otmar.


Concessionária Comercial Gaúcha em 2017: repare nos carros antigos expostos na vitrine
Concessionária Comercial Gaúcha em 2017: repare nos carros antigos expostos na vitrine • Reprodução/Google Maps

Destino dos carros esquecidos

Somente em 2025, quase 23 anos após o fechamento da concessionária, os carros foram finalmente colocados à venda. O processo de comercialização envolveu a regularização da documentação dos veículos e do próprio imóvel, que também está disponível para venda.

A família atendeu pedido de Otmar, que desejou que a coleção fosse vendida junta e com discrição.

Em mais um aspecto inusitado do caso, como alguns dos veículos sequer haviam sido faturados, ainda são legalmente considerados novos. Com isso, a venda foi feita pelo CNPJ da Comercial Gaúcha, que segue ativo desde 1967, e as notas fiscais foram emitidas da mesma forma que quem comprar um carro 0 km, mesmo sendo modelos fabricados há mais de 30 anos.

A intenção do novo proprietário dos veículos é levar os carros para os Estados Unidos e disponibilizá-los para exposição. Apesar da concessionária fantasma ter chegado ao fim, o legado de preservação será mantido.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Conheça história da loja que deixou carros 0 km abandonados por 20 anos no site CNN Brasil.

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