Como a banda Biquini chegou bem aos 40 anos com sucesso cavado pela forte conexão com os fãs que vão nos shows


Bruno Gouveia, vocalista da banda carioca Biquini, na estreia nacional da turnê comemorativa dos 40 anos do grupo
Arthur Waissmann – MHermes Arts / Divulgação
♫ ANÁLISE
♪ É curioso pensar que o Biquini Cavadão nunca foi a banda da vez no universo do rock brasileiro e que – talvez justamente por nunca ter ficado sob os holofotes mais fortes da indústria de música pop – o grupo carioca tenha driblado às pressões das gravadoras e sobrevivido ao vaivém do mercado de shows, mesmo tendo feito eventuais concessões, chegando aos 40 anos com trajetória sólida.
Exceto pela nota dissonante da saída do baixista André Sheik no fim de 2000, a banda completa 40 anos em 2025 sem grandes perdas no caminho – iniciado em março de 1985 na cidade do Rio de Janeiro (RJ) – e com um sucesso regular, cavado sem apelações, alardes ou estratégias de marketing, mas a partir da forte conexão com os fãs, sobretudo com os que vão aos shows do Biquini.
Nem o vidente mais antenado cravaria que aqueles quatro jovens que estudavam em colégio carioca de classe média – Álvaro Birita (bateria), André Sheik (baixo), Bruno Gouveia (voz) e Miguel Flores da Cunha (teclados), aos quais logo se juntou Carlos Coelho (guitarra) – iam chegar tão longe quando decidiram formar uma banda no início de 1985.
A rigor, o Biquini Cavadão surgiu como um grupo da segunda geração do rock brasileiro projetado na década de 1980. Quando a banda descoberta por Carlos Beni Borja (1961 – 2021) e batizada pelo padrinho Herbert Vianna entrou na efervescente cena pop nacional, já havia Barão Vermelho, Blitz, Paralamas do Sucesso, Titãs e Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, grupos aglutinados em 1981 e revelados entre 1982 e 1983.
O Biquini Cavadão entrou pelas portas abertas por essas bandas. Tanto que a primeira música da banda – Tédio (Álvaro Birita, André Sheik, Bruno Gouveia e Miguel Flores da Cunha, 1985), tratado pop adolescente sobre as angústias de jovens sem necessidade de lutar pela sobrevivência econômica – logo entrou em sintonia com a ideologia da Fluminense FM, rádio que catapultava bandas iniciantes a uma fama quase instantânea.
Enviada por Carlos Beni para a emissora de Niterói (RJ), Tédio tocou bem, despertou o interesse da gravada Polygram e gerou o primeiro single do Biquini Cavadão, abrindo caminho para um segundo hit juvenil, No mundo da lua (Álvaro Birita, André Sheik, Bruno Gouveia e Miguel Flores da Cunha, 1985), e para o primeiro álbum da banda, Cidades em torrente, lançado em 1986, ano de grandes discos do rock brasileiro.
Timidez (Álvaro Birita, Bruno Gouveia, Carlos Coelho, Miguel Flores da Cunha e André Sheik, 1986) surfou na onda adolescente dos hits anteriores Tédio e No mundo da lua, garantindo vendas satisfatórias para o álbum.
Tudo poderia ter acabado aí, como acontece para muitas bandas que não vão além de um primeiro álbum ou, quando muito, são reprovadas na matemática do segundo disco. Só que o Biquini Cavadão foi em frente e sobreviveu.
Em 1991, ano em que o rock brasileiro vivia era de incerteza, a banda surpreendeu ao espalhar Vento ventania (Álvaro Birita, Bruno Gouveia, Carlos Coelho, Miguel Flores, André Sheik e Carlos Beni, 1991) por todo o Brasil, alavancando com a música o quarto álbum do grupo, Descivilização (1991), marco na discografia do Biquini por delinear identidade mais adulta para a banda a partir deste disco anunciado pelo sucesso de Zé Ninguém (Álvaro Birita, Bruno Gouveia, Carlos Coelho, Miguel Flores, André Sheik e Carlos Beni, 1991).
A adolescência ficara para trás. A inocência, também. Tanto que, ao dar forma ao próximo álbum, Agora (1994), este já feito na Sony Music, a banda recorreu a um cover de Chove chuva (Jorge Ben Jor, 1962) por sugestão da gravadora. Até funcionou.
Mais tarde, outros sucessos vieram, como Janaína (Álvaro Birita, Bruno Gouveia, Carlos Coelho, Miguel Flores e André Sheik, 1998) e Dani (Álvaro Birita, Bruno Gouveia, Carlos Coelho, Miguel Flores e Manno Góes, 2005).
Contudo, o que deu vigor ao Biquini para chegar bem aos 40 anos – já sem o Cavadão no nome, ação de 2022 que surtiu pouco efeito na mídia e entre os seguidores do grupo – foi a postura da banda ao construir um universo particular em que a interação com os fãs é ponto fundamental. Nos anos 1990, a banda foi pioneira ao valorizar a internet quando o CD ainda era o formato vigente no mercado fonográfico. Tanto que lançou um álbum intitulado biquini.com.br em 1998.
Através da internet, o grupo reforçou a conexão com os seguidores em ações que ainda hoje incluem posar pacientemente com os fãs após cada show, ritual seguido na recente apresentação da banda no Circo Voador, em 15 de março, em que o Biquini deu na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) a partida na turnê comemorativa dos 40 anos.
Nessas quatro décadas, a banda seguiu algumas fórmulas. Em 2001, fez disco com covers de sucessos das bandas contemporâneas da década de 1980 e repetiu a dose ao gravar um segundo volume ao vivo em 2008 no mesmo Circo Voador.
Mais recentemente, a partir de 2019, o Biquini tentou se alinhar com a tendência do mercado fonográfico e gravou feats. com artistas sertanejos (a dupla Matheus & Kauan) e do pagode (Péricles) em ações que pareceram ter gerado menos impacto do que o esperado porque o público seguidor do Biquini Cavadão gravita em torno do universo particular dessa banda que faz show com casa lotada em várias capitais do Brasil, como Fortaleza (CE), sem depender dos gostos e dos humores mais voláteis dos públicos carioca e paulistano.
Na playlist dos seguidores fiéis do Biquini, uma música como Roda gigante (Álvaro Birita, Bruno Gouveia, Carlos Coelho, Miguel Flores e Dudy Cardoso, 2013) gira mais forte do que um feat artificial com o astro sertanejo do momento. Até porque a banda nunca calcou a carreira em estratégias de marketing e em acenos para a mídia (tanto que raramente foi tratada pela imprensa musical com a relevância a que faz jus) e para a indústria de shows (o Biquini poderia marcar mais presença no circuito de festivais). As eventuais concessões aos caprichos do mercado jamais macularam a imagem do grupo.
Caso raro de longevidade no universo pop brasileiro (somente a banda conterrânea Os Paralamas do Sucesso atravessou os 40 anos com união e sem ruídos entre os integrantes), o Biquini Cavadão tem muito o que festejar em 2025.
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