Veja questionamentos das escolas sobre notas dos jurados na apuração do carnaval


Cinco escolas de samba postaram em suas redes sociais comunicados questionando algumas das justificativas para notas baixas no carnaval do Grupo Especial do Rio. A Grande Rio e a Unidos de Padre Miguel entraram com recursos na Liesa para revisão das notas. Diretoria da Grande Rio entrou com recurso na Liesa para revisão das notas.
Raoni Alves / g1 Rio
A divulgação completa das justificativas de cada um dos jurados que avaliaram as escolas de samba no Grupo Especial do Rio de Janeiro provocou uma série de questionamentos das agremiações que se sentiram prejudicadas. A Acadêmicos do Grande Rio e a Unidos de Padre Miguel entraram com recursos na Liesa para revisão das notas.
Ao todo, 5 escolas do grupo de elite postaram comunicados questionando algumas das justificativas dos jurados para notas baixas apresentadas esse ano. Entre as reclamações estavam expressões como acusações de “racismo”, “quadrilha de canalhas” e “julgamentos sem critério”.
Grande Rio quer o título
Entre as escolas que contestaram as notas está a vice-campeã Acadêmicos do Grande Rio, que perdeu o título para a Beija-Flor por 0,1 ponto.
‘Não houve projeção sonora’, ‘imprecisão’: jurados justificam as notas 9,9 da bateria da Grande Rio
‘Desculpa, Caxias’, escreve mestre Fafá após Grande Rio perder por 1 décimo, no quesito bateria
Essa diferença mínima aconteceu no quesito bateria, onde a escola teve duas notas 9,9. Uma delas foi descartada e a outra foi considerada para a contagem final.
Segundo o jurado Ary Jayme Cohen, que ficou responsável pelas notas no módulo 2, os ritmistas que tocavam as caixas da bateria comandada pelo mestre Fafá não foram precisos.
Já a jurada Geiza Carvalho, que também deu 9,9 para a bateria da escola de Duque de Caxias, entendeu que ‘não houve projeção sonora do instrumento’ no módulo 4. Os instrumentos analisados, nesse caso, foram os curimbós.
“Mestre Fafá, os curimbós soaram baixíssimos na apresentação da bateria no módulo 4. É importante adequar melhor os instrumentos inseridos no arranjo para que a perfeita execução das eventuais bossas e paradinhas possam ser executadas. Não houve projeção sonora do instrumento em questão, por isso foi descontado em 0,1”, justificou.
Jurado Ary Jayme Cohen disse que os ritmistas que tocavam as caixas da bateria da Grande Rio não foram precisos.
Reprodução site da Liesa
O próprio mestre de bateria da escola buscou suas redes para defender seu trabalho à frente dos ritmistas.
Fafá alegou que a possível falha que impediu que os instrumentos fossem ouvidos não seria da bateria e sim do sistema de som da avenida.
“0,1 Décimo perdido por não ter ouvido os curimbós. Até desse vídeo (postado) da arquibancada da pra ouvir eles. E mesmo se não tivesse ouvido, isso é uma falha do som e não minha. O rapaz como microfone está lá posicionado na hora. Isso é uma falha mecânica e não da bateria”, escreveu Fafá.
A Vermelho e Branco de Caxias também não gostou de ver o mapa da apuração publicado no site da Liesa na tarde de quinta-feira (6). A reclamação ocorreu porque houve uma inconsistência nas notas. A Liesa afirmou que houve um erro de digitação e que o resultado do carnaval foi correto.
Na tabela, havia três notas 10 e uma 9.9 – diferente do que foi lido pelo locutor Jorge Perlingeiro na Cidade do Samba, dois 9.9 e dois 10. A diferença foi na nota da jurada Geiza Carvalho.
Unidos da Tijuca, Mocidade, Salgueiro e Portela são multadas por infringir regras da Liesa
Como a nota mais baixa é descartada, se a escola levasse só um 9.9, ele não seria computado. Com isso, a Grande Rio somaria 30 pontos no quesito e dividiria o título com a Beija-Flor, ambas com 270 pontos no total.
O somatório descrito na planilha, no entanto, apontou o que foi lido na apuração: 29,9. Ou seja, a soma das notas do mapa (10 + 9.9 + 10 + 10), descartando a menor, estava errada.
A Grande Rio postou um comunicado criticando a situação.
“O fato interfere diretamente no somatório oficial de notas da apuração, que também foi divulgado de forma inconsistente no site oficial da LIESA (…) Acadêmicos do Grande Rio seria de 270,0 pontos, que igualaria a pontuação da coirmã Beija-Flor de Nilópolis e constataria um empate entre as escolas, sagrando ambas como campeãs do Rio Carnaval 2025”, dizia parte do comunicado.
Na mesma postagem, a escola de Duque de Caxias ameaçou questionar a Liesa de forma oficial e brigar para que fosse também considerada campeã do carnaval 2025.
UPM fala de racismo
Na outra ponta da tabela, a Unidos de Padre Miguel (UPM) também questionou o resultado do carnaval 2025, que a rebaixou à Série Ouro.
Integrantes da Unidos de Padre Miguel se levantam e deixam a Cidade do Samba
A escola informou que entrou com um recurso junto à Liesa “reunindo todos os elementos necessários para apresentar um pedido formal, baseado em uma análise criteriosa das justificativas divulgadas”.
A primeira reclamação da UPM foi em relação a uma nota no quesito samba enredo. Segundo a escola, a nota baixa no quesito foi resultado de um problema técnico do sistema de som e não de apresentação.
“Durante a revisão das justificativas, foram identificadas inconsistências graves, incluindo penalizações em quesitos específicos devido a uma falha técnica no caminhão de som – um problema alheio à responsabilidade da Unidos de Padre Miguel e que, portanto, não deveria ter resultado em perda de pontos”, escreveu a UPM.
A segunda reclamação da escola é mais grave e repostou até um conteúdo que fala de racismo contra a escola. Um dos jurados que tirou 0,1 ponto no quesito samba-enredo justificou sua nota 9,9 por “excesso de termos em Iorubá”.
Unidos de Padre Miguel cita possível ato racista na nota do jurado.
Reprodução redes sociais
O enredo da UPM esse ano contou a trajetória da africana Iyá Nassô e do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, conhecido como o mais antigo templo afro-brasileiro ainda em funcionamento.
Segundo o argumento da escola, “as palavras em iorubá do samba e do enredo são fundamentais primeiro como vivência do Axé da Casa Branca, e, segundo, como forma de resistência do Axé de Iyá Nassô, iorubá de Oyó, contextualizando sua vida e sua trajetória”, justificou a escola na apresentação do enredo desse ano.
Após tomar conhecimento da nota 9,9, a UPM classificou a situação como “inaceitável”.
“A penalização da Unidos de Padre Miguel por “excesso de termos em iorubá” escancara o racismo religioso que ainda persiste no Brasil”, diz conteúdo republicado pela escola, inicialmente postado pelo coletivo “Povo do Santo – Petrópolis”,
“Nossa oralidade sagrada não é erro, não é excesso e muito menos pode ser silenciada. O que vimos foi a punição de uma escola que exaltou a história e resistência do primeiro terreiro de Candomblé do país. (…) a cultura afro-brasileira foi mais uma vez marginalizada. Até quando nossas tradições serão tratadas como estrangeiras em nossa própria terra?”, diz ainda o post.
A Vermelha e Branca da Zona Oeste terminou em último lugar entre as 12 do Grupo Especial do Rio de Janeiro, 1.1 ponto atrás da “vizinha” Mocidade Independente de Padre Miguel.
Salgueiro sobe o tom
Os diretores do Acadêmicos do Salgueiro não economizaram nas ofensas ao analisar as justificativas dos jurados para as notas da Vermelho e Branco da Tijuca. Dois comunicados divulgados no perfil oficial da escola falam em “ladrões de plantão”, “canalhas” e “ratos que estão manchando a imagem e a credibilidade do carnaval carioca”.
Veja: Comissão de Frente Acadêmicos do Salgueiro
Com um enredo que explorou a crença no “corpo fechado”, o Salgueiro somou 269,2, terminando no 7° lugar e fora do desfile das campeãs.
“Aos ladrões de plantão, fica o aviso: o Salgueiro não irá se intimidar com essa quadrilha de canalhas que está tentando acabar com o Carnaval, prejudicando aqueles que trabalham com seriedade”, escreveu o Salgueiro em suas redes.
Mais tarde, a escola divulgou um novo comunicado, dessa vez afirmando que as ofensas não foram direcionadas ao presidente da Liesa, Gabriel David, ou ao coordenador de jurados, Thiago Farias.
“Confiamos plenamente na idoneidade do presidente Gabriel e de Thiago, e temos certeza de que a Liesa identificará e eliminará os ratos que estão manchando a imagem e a credibilidade do Carnaval Carioca”, reforçou a escola.
O Salgueiro ainda pediu que o quadro de jurados seja reformulado para o próximo carnaval.
“Não aceitaremos, sob nenhuma circunstância, que o carnaval continue refém de julgamentos sem critério, conduzidos por jurados amadores e despreparados (…) Seguiremos lutando por mudanças urgentes em busca de uma reformulação completa do quadro de jurados e a implementação de critérios de avaliação que garantam um julgamento justo e transparente”, postou.
Mocidade e Vila também questionam
A Unidos de Vila Isabel e a Mocidade Independente de Padre Miguel, que terminaram o carnaval em 8° e 11° lugar, respectivamente, também demonstraram insatisfação com as notas e justificativas dos jurados.
A Mocidade focou suas reclamações na possível falta de critério dos julgadores. A escola definiu a situação como “desmotivante” e citou diretamente as notas que recebeu no quesito evolução, quando teve um 9,9 e um 9,8.
“É desmotivante ter um julgamento com olhar que não aceita o que é novo e o que é diferente. Ter quesitos aclamados por todos e, que mesmo assim, ainda são penalizados na hora das notas, dói no coração da nossa estrela”.
“A diferença de critério do julgador de acordo com a bandeira é o que mais nos faz refletir, principalmente no quesito evolução”, escreveu a Mocidade.
Sabrina Sato e outros membros da Vila Isabel na apuração do Grupo Especial
Raoni Alves / g1 Rio
Já os diretores da Vila Isabel falaram em um “sentimento de tristeza e insatisfação” com o resultado.
“A administração compartilha de um sentimento de tristeza e insatisfação diante do resultado. Entendemos que o grandioso espetáculo que apresentamos não condiz com o julgamento e a colocação recebida”, disse a escola da Zona Norte.
Casal da Beija-Flor questiona nota
A insatisfação com algumas notas apresentadas não é exclusividade das escolas que terminaram sem o título. Até mesmo dentro da Beija-Flor de Nilópolis, que conquistou seu 15º título, houve reclamação.
O casal Selminha Sorriso e Claudinho, a dupla mais antiga da Sapucaí, perderam um décimo do jurado que deu 10 para quase todas as escolas no quesito mestre-sala e porta-bandeira.
Em sua justificativa, o jurado Fernando Bersot afirmou que “faltou sintonia” entre Selminha Sorriso e Claudinho. Ele é diretor de movimento, coreógrafo e professor de ballet.
A Porta-Bandeira Selminha Sorriso no desfile da Escola de Samba Beija-Flor, na noite de segunda-feira (3).
PEDRO KIRILOS/ESTADÃO CONTEÚDO
Na avaliação de Selminha, a performance do casal em frente à cabine do jurado foi a melhor feita na noite do desfile. Ela, inclusive, postou um vídeo do momento em suas redes sociais.
“Eu estava muito confortável naquele módulo, assim como o Claudinho. Não podia imaginar a perda de um décimo, logo nessa apresentação tão incrível. É inusitado falar que falta sintonia em um casal como a gente. Dançamos juntos há mais de 30 anos”, afirmou a porta-bandeira.
De acordo com a justificativa de Bersot, faltou sintonia “por meio da troca de olhares” entre o casal e o mestre-sala Claudinho “externava cansaço, executando movimento pequeno (curto), sem finalização”.
Ao g1, Bersot disse que não é do tipo de jurado que busca argumentos para tirar ponto.
“As pessoas pensam que é alguma perseguição, mas não é. A percepção que eu tive no módulo 4 é que eles chegaram, principalmente o Claudinho, extremamente exaustos. Em um momento da coreografia, já próximo ao final, eles chegaram a ficar meio parados, só balançando de um lado para o outro. Por isso acaba perdendo essa sincronia. É quando o bailado sai um pouquinho da música e não fica tão no ritmo”, disse.
Como a regra diz que a menor nota é descartada, a Beija-Flor terminou a apuração com 30 pontos no quesito mestre-sala e porta-bandeira, a pontuação máxima.
Jurada esquecida
Ana Paula Fernandes fez sua estreia como julgadora no carnaval de 2025 e esqueceu de dar as notas do quesito samba-enredo para as escolas Tuiuti, Portela e Mocidade. As três agremiações, que desfilaram terça, acabaram levando 10. Erro não influenciou no resultado da competição.
Jurada que deixou notas em branco disse à Liesa que esqueceu de anotar pontuação de 3 escolas, mas alegou que escreveu justificativa
Ao g1, Ana Paula disse lamentar pelo erro na última noite de desfiles. A jurada explicou que ficou muito incomodada com o barulho após o fim da última apresentação, o que teria provocada nela uma queda de pressão.
A jurada afirmou que o barulho do camarote e da roda de samba perto do módulo 4 era “ensurdecedor”.
“Ao final do desfile, o barulho no módulo 4 onde eu estava era ensurdecedor. Como foi a minha estreia, eu não tinha noção do quanto o barulho podia ser incômodo, senão, teria levado protetor auricular”.
“Eu tive uma queda de pressão nesse dia, por ser o terceiro dia e estar mais cansada. As análises foram feitas, com as devidas justificativas e eventuais descontos, que foram invalidados por não terem sido transcritos na primeira página. Felizmente, (mesmo que as notas fossem contabilizadas) não teria alterado o resultado final. Foi um lapso lamentável”, explicou Ana Paula.
A jurada contou que esqueceu de escrever as notas para três escolas na última noite de desfiles do Grupo Especial, mas que anotou as justificativas – que ficam em uma ficha separada. Por conta disso, as três escolas esquecidas levaram 10 no quesito samba-enredo.
“Houve um lapso terrível de não transferir as notas. Mas o regulamento foi seguido à risca”, disse a estreante.
Ana Paula contou ainda que todos da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) entenderam seus argumentos e foram solidários.
“Fiquei extremamente abalada, mas o apoio dos colegas e da Liesa contribuíram para que me sentisse melhor. Queria mandar um agradecimento a eles”, disse a jurada.
A Liesa informou que recebeu nesta sexta-feira (7) recursos protocolados pelas escolas Acadêmicos do Grande Rio, Unidos de Padre Miguel e Unidos da Tijuca. O departamento jurídico já tomou ciência e irá analisá-los, seguindo o regulamento do Carnaval.
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