‘Dançamos juntos há mais de 30 anos’, diz porta-bandeira da Beija-Flor após jurado apontar falta de sintonia do casal


Selminha Sorriso e Claudinho são a dupla mais antiga da Sapucaí e perderam um décimo do jurado que deu 10 para quase todas as escolas. Mestre-sala e porta-bandeira da Beija-Flor, Claudinho e Selminha Sorriso, se apresentam
A única nota 9,9 recebida pelo casal de mestre-sala e porta-bandeira da Beija-Flor, escola campeã do carnaval do Rio de Janeiro, causou estranheza à dupla mais antiga da Sapucaí. Em sua justificativa, o jurado Fernando Bersot afirmou que “faltou sintonia” entre Selminha Sorriso e Claudinho. Ele é diretor de movimento, coreógrafo e professor de ballet.
Na avaliação de Selminha, a performance do casal em frente à cabine do jurado foi a melhor feita na noite do desfile. Ela, inclusive, postou um vídeo do momento em suas redes sociais.
“Eu estava muito confortável naquele módulo, assim como o Claudinho. Não podia imaginar a perda de um décimo, logo nessa apresentação tão incrível. É inusitado falar que falta sintonia em um casal como a gente. Dançamos juntos há mais de 30 anos”, afirmou a porta-bandeira.
De acordo com a justificativa de Bersot, faltou sintonia “por meio da troca de olhares” entre o casal e o mestre-sala Claudinho “externava cansaço, executando movimento pequeno (curto), sem finalização”.
Justificativa da nota do jurado Fernando Bersot a porta-bandeira Selminha Sorriso e o mestre-sala Claudinho
Reprodução
‘Não é perseguição’
Em entrevista ao g1, Bersot disse que não é do tipo de jurado que busca argumentos para tirar ponto. “As pessoas pensam que é alguma perseguição, mas não é. A percepção que eu tive no módulo 4 é que eles chegaram, principalmente o Claudinho, extremamente exaustos. Em um momento da coreografia, já próximo ao final, eles chegaram a ficar meio parados, só balançando de um lado para o outro. Por isso acaba perdendo essa sincronia. É quando o bailado sai um pouquinho da música e não fica tão no ritmo”, disse. (Veja a íntegra da resposta no final da matéria)
Como a regra diz que a menor nota é descartada, a Beija-Flor terminou a apuração com 30 pontos no quesito mestre-sala e porta-bandeira, a pontuação máxima.
Bersot foi um dos jurados mais bonzinhos do carnaval do Rio de Janeiro este ano. Além do casal da Beija-Flor, só o mestre-sala e a porta-bandeira da Vila Isabel, Marcinho Siqueira e Cristiane Caldas, não agradaram completamente o jurado e também receberam 9,9. Nesse caso, ele justificou que um pedaço da fantasia da porta-bandeira caiu no fim do desfile.
Jurado penalizou Selminha em 2024
Bersot também deu 9,9 para Selminha e Claudinho em 2024, enquanto todos os outros jurados do quesito deram nota máxima. Na ocasião, ele também falou da falta de harmonia do casal. “A porta-bandeira usou excesso de força, principalmente nos giros, onde não fixa o olhar no mestre-sala, quebrando um pouco a harmonia do casal”, justificou.
Para Selminha, a explicação causou indignação. “Eu sou porta-bandeira, não sou da dança clássica. O que eu aprendi é que a porta-bandeira tem que ter força no giro, mas ao mesmo tempo tem a delicadeza, a leveza de uma grande rainha. Mas tem que girar o pavilhão desfraldado com a energia, a força e o vigor. Por isso, a justificativa realmente me causou indignação”.
Claudinho e Selminha Sorriso, que ocupam o posto de primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Beija-Flor
Tata Barreto/Riotur
Selminha também fala da dança com seu mestre-sala como uma forma de defender a ancestralidade do samba.
“Erguer o pavilhão é a vitória, é a resistência de uma cultura, é a força das pessoas pretas que tanto sofreram para que nós estivéssemos aqui. O nosso samba precisa ser mantido de forma ancestral. Tem as inovações, mas, se acabarmos com tudo, acabaremos com a nossa própria essência”.
Ao g1, o jurado disse que respeita muito a história de Selminha. Ele ainda lembrou que ela foi sua aluna de balé há muito anos. “No meu primeiro ano, em 2023, eu dei 10 para ela. Eu tenho respeito imenso. Só que, naquele momento da apresentação, eu não estou avaliando a história. Nós somos orientados dessa forma”.
Selminha e Claudinho são o casal de mestre-sala e porta-bandeira mais longevo da Sapucaí. Eles começaram a dançar juntos em 1992, na escola de samba Estácio de Sá. O primeiro desfile na Beija-Flor aconteceu em fevereiro de 1996, a convite do mestre Laíla, ex-diretor da escola que morreu de covid-19 em 2021 e foi homenageado este ano. “É admirável quando as pessoas fazem a mesma coisa por tantos anos e conseguem fazer bem”, disse a porta-bandeira.
‘Cala a boca, etaristas’
A Porta-Bandeira Selminha Sorriso no desfile da Escola de Samba Beija-Flor, na noite de segunda-feira (3).
PEDRO KIRILOS/ESTADÃO CONTEÚDO
Aos 54 anos de idade, Selminha se coloca como uma voz contra o etarismo, embora diga que sofre menos com isso do que outras mulheres da mesma idade, devido à sua performance física e o resultado que entrega nos desfiles da Beija-Flor. No vídeo que postou em sua rede social, comemorando o título da Beija-Flor, ela mandou que os etaristas calassem a boca.
“Defender as mulheres com mais de 50 anos é uma bandeira que eu levanto, assim como a do enfrentamento ao racismo. Fico indignada quando isso acontece não só comigo, mas com qualquer outra pessoa”, disse em entrevista ao g1.
Selminha conta que se formou no curso de direito aos 35 anos. Em 2024, terminou uma pós-graduação em Psicologia Social e Antropologia e se matriculou em outra pós-graduação em Cultura e História Afro-Brasileira.
“Eu quero estar sempre querendo mais, quero aprender, quero ser mais feliz, dançar mais. Quero jogar futebol, ir à praia, quero namorar. Quem é que vai me impedir? O céu é o limite”.
Veja a íntegra da explicação do jurado para o 9,9
“A sincronia do casal, pelo manual do julgador, é a troca de olhares, são os detalhes entre eles dois, a conexão. A percepção que eu tive no módulo 4 é que eles chegaram, principalmente o Claudinho, extremamente exaustos. Isso passava pra gente, era perceptível esse cansaço. No ano passado, eram só três apresentações, e esse ano foram quatro. Então, teve um momento na coreografia, já próximo ao final, que eles chegaram a ficar meio que parados, só balançando de um lado pro outro. Nesses momentos, acaba perdendo essa sincronia. É quando o bailado acaba saindo um pouquinho da música e não fica tão no ritmo.
Eu tenho certeza que, nos outros módulos, ela fez uma belíssima apresentação, assim como fez no meu. Só que, infelizmente, esse cansaço ficou perceptível. Não que eles não tenham sincronia. Eles trabalham juntos há 30 anos ou mais. Mas houve um momento de concentração que se perdeu. Isso é natural, normal acontecer dentro de um bailado, seja nas danças clássicas, contemporâneas e de mestre-sala e porta-bandeira.
Eu não gosto de tirar pontos. Minha ideia é chegar lá e dar 10 pra todo mundo. Eu não sou uma pessoa que fico buscando argumentos para tentar tirar ponto. Falo do que eu vi naquele momento. O que mudou nesse ano é que agora não é mais comparativo. Se ainda fosse, com certeza, eu teria tirado pontuação de outras equipes.
As pessoas pensam que é alguma perseguição, mas não é. No meu primeiro ano, em 2023, eu dei 10 para ela. No ano passado, ela estava com muito mais energia do que ele. Não que a energia dela seja ruim, mas é que quebra a harmonia do casal quando um, por está ligado no 220 e o outro está ligado no 110. Por isso, tirei um décimo.
Eu tenho respeito imenso pela história da Selminha. Inclusive, ela foi minha aluna de balé durante um tempo, há uns anos atrás. Eu não sei nem se ela se recorda disso, mas ela fez aula comigo. Respeito muito a história dela, só que, naquele momento da apresentação, eu não estou avaliando a história. Estou avaliando a apresentação. Nós somos orientados dessa forma.”
Adicionar aos favoritos o Link permanente.