Com itens doados e ‘dinheiro de mentira’, mercadinho ensina crianças com autismo a identificar valores e comparar preços: ‘Aprendem brincando’

O objetivo do projeto é ensinar crianças e adultos com autismo sobre valores, consumo consciente e habilidades para a vida diária. Mercadinho é alternativa terapêutica para crianças e adultos com autismo em Rio Preto
Associação dos Amigos Autista de Rio Preto/Divulgação
Um projeto vem ajudando crianças e adultos com autismo a aprenderem sobre a vida de maneira lúdica e educativa em São José do Rio Preto (SP). O mercadinho é uma iniciativa que ensina aos alunos do espectro autista conceitos essenciais para o dia a dia, como valores, quantidades e a importância de escolhas conscientes no mercado.
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Em conversa com o g1, Raquel Barbosa dos Santos, de 57 anos, uma das idealizadoras do projeto na Associação dos Amigos Autistas, explica que a ideia surgiu a partir de uma necessidade observada nas famílias.
“Sempre que a gente ouvia dos pais que não conseguiam ir ao mercado com seus filhos, que o ambiente gerava crises, pensávamos em como poderíamos ajudar. A ideia era levar as crianças para o mercadinho, para a quitanda, para que pudessem entender o que era necessário comprar. Eles entendem o valor das coisas”, conta.
O projeto, que já funciona há mais de um ano, trabalha com as chamadas Atividades de Vida Diária (AVD), nas quais as crianças, com o auxílio de educadores, se deparam com situações que envolvem a compra de produtos essenciais.
As prateleiras do mercadinho são montadas com itens doados e as crianças aprendem a identificar valores, comparando preços, compreendendo a necessidade de controlar os gastos e realizando a compra dos produtos que precisam com “dinheiro de mentira”.
“A atividade com valores é fundamental. Desde que elas veem que têm um limite de dinheiro e que é necessário saber quanto custa cada item, conseguimos trabalhar conceitos como economia e consumo consciente”, explica Raquel.
Todas as atividades desenvolvidas na Associação dos Amigos Autistas de Rio Preto giram em torno do mercadinho, criando um ambiente integrado de aprendizagem. O simples ato de escovar os dentes, por exemplo, é relacionado à visita ao mercadinho.
“Quando vamos escovar os dentes, eles vão ao mercadinho escolher a pasta de dente, ver quanto custa e entender que precisam escolher o que é necessário dentro do orçamento disponível”, diz Raquel.
Mercadinho é alternativa terapêutica para crianças e adultos com autismo em Rio Preto
Aprendizado na prática
Lucas Amaral Pereira, de 10 anos, é um dos alunos do projeto. Para ele, o mercadinho não é apenas uma diversão, mas uma importante ferramenta de aprendizado.
“Eu aprendi sobre os valores e sobre o troco. No mercado, a gente tem que comprar só o que é necessário, porque, se comprar o que não vai comer, vai ser desperdício”, diz.
Marcela Jesus do Amaral, mãe de Lucas, compartilha a importância do mercadinho no aprendizado do filho sobre consumo responsável.
“A conscientização em comprar apenas o que usa é muito importante. Eu participei de uma dessas atividades e é muito interessante. Eles adoram, aprendem brincando. A importância dessa atividade é muito grande, pois eles ensinam de forma que, às vezes, não conseguimos em casa”, conta.
Marcela Jesus e seu filho, Lucas Amaral, de 10 anos
Associação dos Amigos Autista de Rio Preto/Divulgação
Raquel destaca que, embora o projeto seja voltado para a educação e o desenvolvimento das crianças, ele também tem um impacto significativo nas famílias. Isso porque, muitas vezes, as mães e pais têm a oportunidade de ensinar seus filhos sobre as escolhas no mercado, sem o medo de uma crise no meio das compras.
“Temos um caso de um menino que, antes, não sabia controlar os desejos no mercado. Hoje, ele mesmo diz para a mãe que só vai comprar o que ela tem dinheiro para pagar. Eu fico muito emocionada de saber que estamos ajudando muito essas crianças, essas famílias”, compartilha Raquel.
Maria Aparecida Donizeti Faustino, mãe de Lucas Helder Faustino, de 33 anos, é um exemplo de como o mercadinho tem feito a diferença na vida das famílias. Ela descreve as mudanças notáveis no comportamento de seu filho desde que ele começou a participar do projeto.
Antes, ela enfrentava dificuldades em levar Lucas ao mercado. Ele, que é não-verbal, tinha dificuldades em esperar e acabava pegando produtos para consumir imediatamente, sem compreender o momento adequado para a compra. No entanto, a experiência no mercadinho trouxe uma transformação.
“Ele sabe onde estão as coisas que ele gosta, ele pega, coloca no carrinho, e a gente vai seguindo a rotina do mercado, de forma tranquila”, diz.
Lucas Helder Faustino realizando suas compras no mercadinho
Associação dos Amigos Autista de Rio Preto/Divulgação
Desafios do projeto
O mercadinho não é apenas uma atividade, mas uma verdadeira vivência. As crianças ajudam a organizar o espaço, colocam as mercadorias nas prateleiras e até decoram o local, criando um ambiente acolhedor e de aprendizado. No entanto, o projeto enfrenta um grande desafio: a falta de doações.
“Hoje, o mercadinho é sustentado por doações, mas essas doações são poucas. Precisamos de itens básicos, como creme dental, bolacha, farinha de trigo, chocolate e outros produtos essenciais para a dinâmica. Sem esses itens, não conseguimos realizar as atividades como gostaríamos”, lamenta Raquel.
Com a ajuda da comunidade e dos voluntários, a associação busca expandir o projeto para atender mais famílias e proporcionar uma melhor qualidade de vida para as crianças.
Para ajudar o projeto, basta ir até a Associação de Amigos do Autista São José do Rio Preto, na Avenida Brasilusa, 500, no Parque Estoril, com um item de higiene pessoal ou alimento não perecível de sua preferência.
Mercadinho é alternativa terapêutica para crianças e adultos com autismo em Rio Preto
Associação dos Amigos Autista de Rio Preto/Divulgação
*Colaborou sob supervisão de Ana Paula Yabiku
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