Sede da COP30, Pará tem o maior número de cidades que enfrentaram extremo de calor no país em 2024


Em 2024, Melgaço e Belém, no Pará, sofreram com os maiores períodos de calor extremo no Brasil. Melgaço, com o pior IDH do país, teve 228 dias de calor extremo, e Belém, a capital, registrou 212 dias. O Pará foi o estado que teve o maior número de cidades castigadas pelo calor atípico em 2024. Um levantamento exclusivo, feito a pedido do g1, apontou que 111 cidades brasileiras tiveram mais de 150 dias de temperaturas máximas acima do registrado nos anos recentes.
No Pará estão 46 cidades dessas 111 cidades que passaram o equivalente a quase cinco meses sob extremos de calor (entenda o cálculo abaixo).
Além disso, as cidades com o maior período de estresse térmico também estão no Pará: Melgaço e Belém, a capital, que neste ano recebe a COP 30, conferência internacional da Organização das Nações Unidas (ONU), e está sob os olhares do mundo.
Segundo os dados do levantamento, mais de 4 milhões de pessoas no Pará viveram dias seguidos de extremos de calor no ano passado. Em termos percentuais, o total de paraenses afetados representa quase 70% do total de 6 milhões de pessoas passaram por esse estresse térmico em todo o Brasil no ano passado.
Metodologia do levantamento
A análise foi feita a pedido do g1 pelo Centro Nacional de Monitoramento de Desastres (Cemaden) com dados de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Entenda abaixo como isso foi feito:
🔎 Para cada dia do ano foi calculado um valor limite de temperatura.
🔎 Para isso, foram analisados os dados diários da série histórica entre 2000 e 2024.
🔎 Como resultado, foi constatado o total de dias no ano de 2024 que superaram os valores mais altos vistos na série histórica, o que configura um extremo de calor.
🔎 O índice é o mesmo usado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
Belém teve mais de 200 dias sob calor extremo
Getty Images
Calor e desafios na rota da COP30
Belém será a sede da COP30, que pretende debater as mudanças climáticas e o financiamento para a transição energética. O estado quer mostrar a Amazônia ao mundo e se apresentar como exemplo de preservação e inovação, com a estratégia de venda de créditos de carbono como fomento econômico para manter a floresta em pé.
➡️ No entanto, precisa enfrentar alguns desafios: em 2024, passou meses sob fumaça, incluindo o período em que a COP acontece este ano. Além disso, apesar das recentes quedas, ainda lidera o ranking de desmatamento na Amazônia.
O calor, que também reflete a ação humana no estado, é um agravante desta crise. Em Belém, uma cidade naturalmente quente e que enfrentou dias de ar irrespirável devido às queimadas, a temperatura chegou a ficar até 5°C mais alta. (Leia abaixo o que diz o governo)

Pará sob calor extremo
Segundo especialistas, a região quase não tem “inverno”. O chamado inverno amazônico, que, na verdade é um período marcado pela maior ocorrência de chuvas, ocorre enquanto o restante do país está no verão, a partir de janeiro. E tem altas temperaturas.
➡️ Já no período de temperaturas mais amenas no restante do país, a região vive o oposto: há menos nebulosidade e mais calor. Ou seja, as temperaturas são altas quase o ano inteiro.
Ainda assim, os dados mostram máximas muito acima das já registradas na região, estendendo-se ao longo do ano inteiro.
No estado, 46 cidades passaram mais de 150 dias sob extremos de calor. Além disso, as cidades com o maior período de estresse térmico também estão no Pará: Melgaço e Belém, a capital.
🔴 Melgaço, na região do Marajó, tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, o que evidencia as desigualdades impostas pela crise do calor. A cidade viveu 228 dias de calor extremo, segundo o levantamento.
🔴 Em Belém, capital onde vivem 1,3 milhão de pessoas, foram 212 dias de calor extremo, um recorde para a cidade.
Pará tem as cidades com mais dias sob extremo de calor no país
Arte/g1
➡️ E do quão quente estamos falando? Na capital, a média máxima – que é a temperatura máxima medida ao longo de décadas – é de cerca de 32°C, o que já é quente. No entanto, Belém passou a maior parte dos meses com dias até 5°C acima dessa média, chegando a máximas de 37,3°C.
Em Melgaço, a média máxima também é de cerca de 32°C, mas a cidade registou picos até 6°C mais altos, atingindo 38,8°C.
O calor intenso se refletiu na seca que o estado enfrentou. Em 2024, dezenas de cidades chegaram a ficar isoladas pela estiagem, com o nível dos rios atingindo mínimas históricas, e decretaram situação de emergência. O governo federal precisou montar uma força-tarefa para atender a região. Tudo isso a cerca de um ano da conferência.
Seca atingiu cidades no Pará
REUTERS/Bruno Kelly
➡️ Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden, explica que as altas temperaturas são resultado do aumento da emissão de gases do efeito estufa, reflexo da ação humana, e também de fenômenos climáticos.
Com o El Niño, fenômeno que aquece os oceanos, a região Norte acabou ficando mais seca e quente que o restante do país, o que afetou o Pará. Essa situação foi agravada pelo desmatamento e pelas queimadas.
O Pará concentra 25% do território da Amazônia. E segundo o monitoramento do governo federal, é o estado com o maior índice de desmatamento da floresta e também o com maior número de incêndios no país.
Segundo o Inpe – responsável pelo levantamento oficial usado pelo governo federal – o Pará foi o que mais queimou no país em 2024, ano que o Brasil teve recorde de queimadas. O estado registrou 20% dos focos no país, foram 56 mil pontos de fogo. E isso não é de hoje: desde 2021 o estado lidera o índice.
O fogo ilegal avançou por meses no estado e colocou a população para respirar fumaça. A chamada “temporada” do fogo vai de maio a outubro. Mas no ano passado, em dezembro ainda havia regiões do (Veja imagem abaixo)
Fumaça das queimadas no Pará encobre o sol
Os incêndios são resultado do fogo ilegal, usado em áreas já desmatadas e para destruir a vegetação em novas invasões.
O Pará também é o estado com o maior índice de desmatamento da Amazônia. Em 2024, cerca de 2,2 mil km² de floresta foram derrubados — uma área maior que a cidade de São Paulo, por exemplo. O Pará concentra os maiores índices de desmatamento desde 2006.
➡️ O número é o menor dos últimos 14 anos, ou seja, está em queda e já foi pior, mas ainda assim é alto.
Mauricio Moura, meteorologista e pesquisador das relações do clima na saúde humana, explica que a crise é reflexo de um cenário de fogo e desmatamento de anos no estado.
“O desmatamento e as queimadas têm efeito de longo prazo. Por mais que estejamos vendo índices menores de desmatamento este ano, a consequência dessa perda de vegetação ainda se estende porque ela não é recuperada imediatamente. Isso somado às condições climáticas mais quentes leva a esse cenário no estado”, explica o especialista.
Médico atende população ribeirinha em meio ao calor no Pará
Luiz Rocha Miranda
Os impactos na saúde
O calor é também uma questão para a saúde. O corpo consegue se adaptar, mas há um limite. Se há muita umidade, como acontece no estado, é ainda mais difícil manter uma temperatura de equilíbrio.
O médico Luiz Rocha, que atende na rede pública no estado, conta que houve um aumento nos casos de desidratação e insolação. Em 2024 ele estava atendendo na saúde fluvial, atendendo comunidades ribeirinhas e remotas. Ele explica que o calor no estado ainda expõe outro ponto: a desigualdade.
A intensidade do calor pode ser a mesma, mas a exposição faz toda a diferença. Quem trabalha em escritórios na capital não enfrenta a mesma realidade de quem passa o dia no roçado, por exemplo. Além disso, há regiões com pouca infraestrutura de saúde, o que dificulta o atendimento às pessoas mais expostas.
A cidade com maior exposição a extremos é Melgaço, que também tem o pior IDH do país. Localizada no sul do Marajó, não possui conexão terrestre, e as viagens entre a sede do município, onde estão as estruturas de saúde, e as comunidades ribeirinhas podem levar horas e custar dezenas de reais em combustível.
O médico Luiz Rocha alerta que as comunidades mais vulneráveis são as ribeirinhas, quilombolas e indígenas.
Muitos dos pacientes que eu acompanhei, trabalham com agricultura e pesca; então passam muito tempo no roçado e pescando, expostos por um longo período ao sol. Além disso, as secas dificultaram o acesso à água e comida, atrapalhou a pesca e aumentou a exposição a vulnerabilidades dessa população.
Atendimento médico em regiões ribeirinhas no Pará
Luiz Rocha Miranda
O médico que os idosos são os que mais sofreram na região com a exposição.
“Atendi vários quadros de desidratação em idoso. Há uma prevalência importante de idosos hipertensos e cardiopatas nessas populações, o que os coloca ainda mais em risco à exposição ao calor. Peguei alguns casos de infarto em períodos de calor”, conta.
A pesquisadora da Fiocruz, Sandra Hacon, explica que ainda não há um acompanhamento nos quadros de saúde causados pelo calor e que os números de mortes registrados pelo Ministério da Saúde são subnotificados. De acordo com a pasta, nos últimos 14 anos, quase 60 pessoas morreram devido ao calor intenso no país.
Sandra liderou uma pesquisa inédita que mostra que o calor vem aumentando os riscos de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias devido ao estresse térmico e reforça que o calor já é uma emergência de saúde.
Não vamos suportar tanta exposição a extremos. O corpo humano não vai conseguir se adaptar e os primeiros a serem mais afetados são os estados já com altas temperaturas e as populações vulneráveis economicamente, comunidades isoladas e indígenas.
O que diz o governo
O governo do Pará informou que vem investindo em ações para frear o desmatamento e informou que, mesmo com o ranking, vem registrando queda nos índices.
“É importante destacar que, mesmo no período em que a floresta esteve mais inflamável, o Estado apresentou redução histórica do desmatamento, reduzindo a taxa em 28,4% no ano de 2024, com a área devastada caindo de 3.299 km² para 2.362 km², superando os 21% de queda registrados nos dois anos anteriores (2023 e 2022), e consolidando uma tendência de queda observada nos últimos três anos conforme dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)”, escreveu em nota.
Sobre os incêndios, disse quem vem investindo no aumento da capacidade de combate o fogo. Em 2024, houve reforço de 40 novos bombeiros, somando 120 profissionais distribuídos em cinco frentes de trabalho para combater as queimadas.
Informou ainda que o governo vem atuando para reprimir os crimes ambientais e investindo em iniciativas reforçam o compromisso do estado em construir uma economia de baixa emissão de carbono.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.