PF abre mais de 300 inquéritos e indicia 720 pessoas por garimpo ilegal na Terra Yanomami em quase 2 anos de operação


Operação Libertação tem como objetivo proteger a população Yanomami por meio da interrupção do garimpo ilegal. O g1 tentou contato com Seção Judiciária em Roraima para saber quantas pessoas foram mantidas presas, mas não obteve retorno. Agentes da Polícia Federal e do Ibama durante operações na Terra Yanomami.
PF/Divulgação
A Polícia Federal (PF) abriu 350 inquéritos e indiciou 720 pessoas em Roraima desde fevereiro de 2023, quando começou uma operação para deter o garimpo ilegal e proteger a Terra Yanomami. A PF deflagrou a Operação Libertação 21 dias após o governo federal declarar emergência em saúde pública no território para combater a desassistência aos indígenas.
O g1 questionou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para saber quantas pessoas continuam presas, mas foi orientado a procurar a Seção Judiciária em Roraima. A reportagem entrou em contato por ligação, mas não obteve retorno.
A Operação Libertação reúne dados das demais operações contra o garimpo deflagrada nesses dois anos. Sobre o número de indiciamentos enviados à Justiça Federal e quantos resultaram em processos criminais, o Ministério Público Federal informou que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) acompanha o desfecho das operações e aguarda a conclusão das investigações “para adoção das medidas legais pertinentes a cada caso”.
Desde quando a operação foi deflagrada, a Polícia Federal atua para impedir o garimpo ilegal em duas frentes: a inutilização da infraestrutura que sustenta o crime e a busca por provas. A maioria dos casos investigados envolve apropriação de bens da união e delitos correlatos, segundo o Delegado Regional de Polícia Judiciária, Caio Luchini.
🔎 Contexto: O governo federal decretou emergência em saúde no território após equipes do Ministério da Saúde resgatarem crianças e idosos com desnutrição severa e malária. A pasta estima que antes do decreto ao menos 570 crianças morreram devido ao avanço do garimpo ilegal no território, que provoca desmatamento, contaminação dos rios por mercúrio e danos à caça e pesca dos povos originários.
Ainda segundo o delegado, os alvos são pessoas que atuam na linha de frente da atividade ilegal, no território, na extração do minério, no financiamento e apoio da logística, e não há um perfil definido desse grupo de indiciados.
“Desde quando a Operação Libertação foi iniciada já foram deflagradas 24 operações especiais, mais de 100 mandados de busca e apreensão já foram cumpridos […] As operações têm por objetivo principal buscar responsabilização dessas pessoas, identificar autoria, materialidade, circunstâncias desse crime. Ou seja, como funcionou toda essa cadeia, essa movimentação de valores”, explicou.
🔎 O que é indiciar? É um procedimento que ocorre quando a polícia, com base na investigação, conclui haver indícios de crime e o associa a uma pessoa. Depois disso, o caso vai ao Ministério Público, que envia à Justiça (entenda no infográfico abaixo).
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Entenda o que é indiciar
g1
Com o cerco policial, os garimpeiros ilegais, que antes não tinham preocupação de sequer esconder o minério e as máquinas usadas para extraí-lo, passaram a agir com mais cautela.
“Já tivemos ações nossas em que identificamos depósito de cassiterita em avenidas movimentadas. Com a atuação mais firme no combate, identificamos que esses grupos tentaram, de alguma forma, camuflar mais as suas ações para tentar burlar a atuação do órgão policial e das agências de fiscalização”, explicou
Delegado da Polícia Federal fala sobre atuação dentro da Terra Indígena Yanomami
Em dois anos de operação, uma das prisões realizadas pela PF foi a de Irismar Cruz Machado, de 57 anos, conhecida como Iris garimpeira, e do filho dela. Ela foi presa em outubro do ano passado e o processo ainda tramita na Justiça.
Segundo a PF, Iris garimpeira e o filho comandam “uma organização criminosa dedicada ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, às margens do Rio Uraricoera”. O rio Uraricoera é uma das principais vias fluviais usadas pelos invasores para invadir o território.
Irismar Cruz Machado, a ‘Íris garimpeira’, quando foi presa pela PF em 2022
Arquivo pessoal
O g1 entrou em contato com a defesa de Irismar Cruz Machado, mas não obteve resposta até a última publicação desta reportagem.
“As investigações revelaram o possível uso de mercenários armados na defesa dos garimpos ilegais, revelando a estrutura e periculosidade da referida organização criminosa. Além disso, estima-se que a atuação do grupo tenha causado impactos socioambientais avaliados em mais de R$ 295 milhões além da extração ilegal de aproximadamente 229 kg de ouro, avaliados em R$ 68.926.710,00 (valores atuais)”, detalha a PF.
A operação Libertação segue em andamento até o restabelecimento da legalidade na Terra Indígena Yanomami, afirma a PF. A ação de combate ao crime é liderada pela Polícia Federal e composta pelo Ibama, Funai, Força Nacional e Ministério da Defesa.
Garimpo na Terra Yanomami
Buracos deixados pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami
Samantha Rufino/g1 RR
Com 9,6 milhões de hectares, a Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil em extensão territorial. Localizado no Amazonas e em Roraima, o território abriga 31 mil indígenas, que vivem em 370 comunidades. O povo Yanomami é considerado de recente contato com a população não indígena e se divide em seis subgrupos de línguas da mesma família, designados como: Yanomam, Yanomamɨ, Sanöma, Ninam, Ỹaroamë e Yãnoma.
Quando a emergência foi decretada, o garimpo já havia causado a maior devastação da história do território. Em 2022, um ano antes, a degradação causada pela atividade ilegal já havia chegado a 54%.
Para além da destruição do meio ambiente, da violência entre os indígenas e garimpeiros, e da poluição dos rios devido ao uso do mercúrio, a atividade impactou diretamente o modo de vida dos Yanomami. A pesca e a caça, principal forma de sobrevivência dos indígenas, deixou de ser possível.
Desde 2023, as ações de desintrusão do garimpo foram intensificadas no território. Sob a coordenação da Casa de Governo, órgão criado em fevereiro de 2024, foram realizadas 3.536 operações de segurança no território. O órgão estima um prejuízo de R$ 267 milhões para os criminosos e uma redução nas áreas de influência, possíveis locais de atuação do garimpo ilega
Entre março e dezembro de 2024, a Terra Indígena Yanomami apresentou uma redução significativa na área de garimpo ativo. (Veja no infográfico abaixo)
Situação do garimpo em Roraima
Arte g1
Os números são os mesmos que a PF usa para monitorar o território e fazer investigações. Para calcular, os órgãos de inteligência estimam que os pontos de garimpos podem ter uma influência de 20 km no local em que são encontrados.
Os grupos criminosos que permanecem no território adaptam as operações para driblar a fiscalização, atuando durante a noite e escondendo maquinários na floresta. No entanto, a Casa de Governo já implementa ações para combater as novas estratégias.
“A gente destrói a pista que é próxima, então isso já cria uma dificuldade, faz ação noturna, essas que o que o Exército fez ano passado. A ideia é aumentar as ações noturnas e fazer acampamento, ficar permanente uma semana no local. Então, agora a gente vai também se reinventando”, explicou o diretor da Casa de Governo Nilton Tubino, que coordena as ações.
O sufocamento do garimpo inclui a destruição de pistas, maquinários, acampamentos e sufocamento da logística, via fiscalização. A redução da atividade tem permitido que indígenas retomem as roças e atividades de caça e pesca, essenciais para subsistência e modo de vida tradicional.
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