Dia da Visibilidade Trans: artista de SP canta sobre preconceitos sem perder o deboche e alegria de viver


Após mudar de estado para se afirmar como travesti, Hela Oliveira trilha pelo funk. Em Araraquara (SP), ela reuniu forças para se entender e buscar um melhor caminho. Hela se identifica como travesti. Ela se mudou do Espírito Santo para Araraquara e fez a transição de gênero na cidade para evitar o preconceito da família
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Hela se identifica como travesti. Ela se mudou do Espírito Santo para Araraquara e fez a transição de gênero na cidade para evitar o preconceito da família
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A cantora de funk Hela Oliveira Souza, de 29 anos, se encontrou e se entendeu como uma travesti em Araraquara (SP). Travesti é uma pessoa que se identifica como mulher, e não com o gênero masculino de nascimento.
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Nascida em Barragem Leste, no interior de Alagoas, e vinda de uma família que não aceitava a sua identidade de gênero feminina, ela precisou ser acolhida e encontrou uma rede de apoio na Morada do Sol para se afirmar e ser quem é.
No Dia Nacional da Visibilidade Trans, comemorado nesta quarta-feira (29), o g1 conta a história da artista que mudou de estado para ter uma vida mais plena e feliz. A data marca a luta e resistência dessas pessoas no país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo.
“Me entendo como trans desde pequena. Minha família sempre soube que eu era LGBT, só que para me proteger e por preconceito também, me mandavam ir pra igreja, não fiz isso, aquilo. Sempre quis deixar o meu cabelo crescer, e quando começava a crescer, minha família me sentava na cadeira e passava a máquina zero. Eu chorava, era horrível. Tive que romper o contatos por muito tempo e agora já transicionada estamos retomando aos poucos”, contou.
Transição, solidão e apoios
Sem apoio na transição e enfrentado uma depressão, Hela se isolou e reuniu forças para se entender e buscar um melhor caminho para si quando veio morar na cidade há seis anos.
“A transição foi um processo muito solitário , eu morava com a minha mãe em Espírito Santo e estava com depressão porque não estava me entendendo, vivia em conflito comigo mesma. Uma tia me chamou para vir morar em Américo Brasiliense para trabalhar e como estava desempregada, eu aceitei. Morei um tempo lá e depois aluguei uma kitnet sozinha e me isolei da família para conseguir me ouvir. Em Araraquara fui buscando apoio e fazendo amizades com outras pessoas trans, me fortalecendo e comecei a me entender como travesti”, comentou.
Bonde das travestis
Um dos principais obstáculos para as pessoas trans é a transfobia e o combate à violência. Xingamentos e desrespeito ao pronome feminino infelizmente ainda são comuns, mas Hela procura não normalizar ofensas e tenta administrar insultos para não sofrer tanto.
Hela é multiartista, além de cantora e compositora é atriz formada pelo Senai e Sesi. Suas letras versam sobre o preconceito com pitadas de deboche.
A artista trilha pelo funk, trap e rap. Em 2022, ela lançou o primeiro EP “Babilônia” e em seguida alguns singles como “A Rihanna é maluca”, “Transfóbico” e o último “X-Doritos”, lançado em dezembro de 2024.
“X-Doritos é um funk divertido sobre rolês de Araraquara e cito também artistas e dançarinas da cidade. Muitas letras falam de situações de transfobia que vivi e que tento deixar mais leve”, comentou. Para 2025, ela prevê um novo EP com 5 faixas inspirado no clássico do funk “Furacão 2000”.
Hela trilha pelo funk, trap e rap e canta em festivais e eventos de Araraquara
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As maiores influências de Hela são Linn da Quebrada, Ventura Profana, Liniker, Vita Pereira, Erika Hilton, Filipa Brunelli, Mona Brutal, Jup Do Bairro, Pepita, entre outras.
Três dessas influências são travestis de Araraquara: a cantora Liniker, a vereadora Filipa Brunelli e a artista Vita Pereira. Liniker é um fenômeno da música brasileira, e a primeira artista trans do país a vencer o Grammy Latino, com o melhor álbum e música brasileira em 2022.
Já Filipa Brunelli é a primeira vereadora travesti da cidade e está em seu segundo mandato, sendo uma referência política para a comunidade LGBTQIA+.
Vita Pereira é uma multiartista e diretora de cinema que reside em Araraquara. Ela é envolvida no projeto “Irmãs de Pau” e idealizadora do coletivo “Travada”. O coletivo realiza bailes, eventos vogue, desfiles de moda, oficinas diversas, documentários e é referência de empoderamento para a comunidade trans e travesti da região.
Capa do single “A Rihanna é Maluca”, feat de Hela e Yago Leandro, homem trans de Araraquara
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Luta contra a transfobia
Na última segunda-feira (27), a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou um dossiê em Brasília (DF) que aponta o Brasil como o país que mais mata pessoas trans no mundo pelo 16º ano consecutivo.
O relatório também revela que 122 pessoas trans e travestis foram assassinadas no país em 2024, e o maior número de casos foi registrado no estado de São Paulo. O número apresenta uma pequena diferença em comparação a 2023, ano que registrou 145 mortes.
O perfil das vítimas é de “jovens trans negras, empobrecidas, nordestinas e assassinadas em espaços públicos, com requintes de crueldade”.
“Todo dia tem um episódio diferente, procuro não normalizar, mas também não fico pensando muito porque me faz mal. Hoje indo para o trabalho, um cara de carro começou a gritar para eu ir jogar bola”, contou.
Para Hela, a alternativa é ser resistente e enfrentar com coragem os altos índices de violência.
“Temos que se resistente e lembrar as pessoas que nós existimos e resistimos hoje e sempre. O meu maior sonho é o fim da transfobia, mas eu acho que vai demorar milênios e talvez eu não esteja aqui para usufruir do fim da transfobia”, disse.
Para lidar com os atravessamentos, a artista se fortalece com a rede de apoio de travestis e pessoas trans da região 016.
“Acabamos sendo apoio uma da outra porque as pessoas não respeitam a nossa identidade de gênero e sempre querem nos tratar no masculino e nos xingam na rua. Apesar disso, sinto que Araraquara é uma cidade mais segura para pessoas trans viverem. Tem cidades que pessoas trans são linchadas e espancadas no meio da rua e as pessoas não fazem nada. Aqui me sinto mais segura e nunca sofri agressão física”, comentou.
(Des)Emprego
Um dos receios da artista é sobre o futuro e empregabilidade. Hela trabalha também como agente de organização escolar, mas se prepara para novos desafios, já que o contrato está para terminar.
“A dificuldade de uma pessoa trans em conseguir emprego ainda é muito grande, especialmente quando se trata de pessoas trans não passáveis. Este último emprego, como agente de organização escolar, só foi possível porque prestei um concurso público e consegui ser aprovada. No entanto, o contrato é temporário, com duração de um ano, e agora que está prestes a terminar, no próximo mês, sinto muita apreensão em retornar ao mercado de trabalho. Sei o quanto é desafiador para pessoas trans conquistarem uma oportunidade nesse cenário”, apontou.
De acordo com o último mapeamento da Assessoria Especial de Políticas LGBTQIA+ (AEPLGBT), feito entre 2022 e 2024, 71% da população LGBTQIA+ de Araraquara está desempregada.
O quadro se agrava para travestis e transexuais: 90% está sem emprego, o que leva muitas para a prostituição compulsória por falta de oportunidade no mercado de trabalho.
Casa de Acolhimento
Em Araraquara, a Casa de Acolhimento LGBTQIA+ “Ricardo Côrrea Silva” acolhe LGBTs expulsos de casa e que estão em vulnerabilidade social. O espaço é o primeiro do interior de SP a realizar este tipo de atendimento.
Para ser abrigado, a pessoa deve ser maior de 18 anos e passar por triagem no Centro de Referência e Resistência LGBTQIA+ “Nivaldo Aparecido Felipe de Miciano” (Xuxa).
Segundo a Prefeitura de Araraquara, no momento 7 pessoas estão acolhidas na Casa, entre elas 5 pessoas trans, sendo duas delas vitimas de violência que são acompanhadas pelo Centro de Referência LGBTQIA+ .
O endereço do Centro de Referência é na Avenida Espanha, 536, no Centro. O telefone é (16) 3339-5002.
Transfobia é crime
Desde agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece atos de homofobia e transfobia como crime de injúria racial. Em 2019, a Corte já havia enquadrado esse tipo de discriminação ao crime de racismo.
A ação foi analisada pelo Supremo por meio do plenário virtual. No pedido, a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) argumenta que a equiparação é necessária para assegurar proteção à pessoa LGBTQIA+, além do coletivo.
Os crimes de racismo e injúria racial já foram igualados por entendimento do próprio STF e por lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em janeiro de 2023.
Segundo a lei sancionada neste ano, a injúria racial é inafiançável e imprescritível. A pena é de prisão de dois a cinco anos, que pode ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas
Como denunciar transfobia
Todos os distritos policiais do estado estão aptos a acolher as vítimas, registrar e investigar os crimes. As ocorrências também podem ser comunicadas pela internet, por meio da Delegacia da Diversidade online.
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