Em países como EUA, Canadá e grande parte da Europa, é comum descartar papel higiênico diretamente no vaso sanitário. No Brasil, no entanto, a recomendação é diferente: por aqui, o papel vai para a lixeira. Embora esse costume possa parecer estranho e até anti-higiênico para quem já viveu outras realidades, a orientação tem motivos técnicos. Especialistas apontam dois principais fatores para isso: a baixa desintegração do papel nacional e a infraestrutura deficiente da rede de esgoto. As informações são do g1.
A qualidade do papel higiênico usado no Brasil é um dos principais problemas. “A grande maioria do papel higiênico que temos no Brasil não desintegra facilmente”, afirma Lucas Fuess, professor do departamento de hidráulica e saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da USP. Isso está ligado à chamada hidrossolubilidade, a capacidade de um material se desmanchar na água.



“Mas, no caso do papel, isso mede a capacidade de ele se despedaçar em água turbulenta, porque ele é feito de celulose, que não chega a dissolver, mas consegue se desintegrar”, explica Fuess. Para comprovar essa diferença, o engenheiro Rafael Brochado realizou, em 2018, testes com papéis brasileiros e estrangeiros e identificou que os papéis nacionais praticamente não se desintegravam. “Enquanto os papéis estrangeiros apresentaram cerca de 60% de desintegração ao serem submetidos à turbulência e peneiramento, os brasileiros praticamente não se desintegraram”, relata Brochado.
O motivo está na resistência dos produtos brasileiros, sobretudo os de folha dupla ou tripla. “Produtos premium tendem a conter resinas que aumentam essa resistência — o que é ótimo para o conforto do usuário, mas ruim para os canos”, afirma Daniel Signori, da marca Mili. Ou seja, o conforto do papel vem com o preço de possíveis entupimentos.
Infraestrutura precária do país é outro obstáculo
Além da baixa qualidade do papel, há outro agravante: a rede de esgoto. “Muitas instalações e muitas cidades não têm a rede de esgoto adequada e preparada para receber o papel higiênico”, afirma Bruno Silva, gerente de desenvolvimento de produtos da Roca. Os encanamentos brasileiros são, em muitos casos, antigos, com curvas mal planejadas, e usam canos mais estreitos que os de países como os EUA ou o Canadá.
Mesmo quando a tubulação é moderna, o papel ainda pode causar problemas. “Por mais que o papel seja transportado, ele vai causar obstrução nas grades das estações de tratamento”, ressalta Lucas Fuess. Assim, o problema vai além do vaso sanitário e se estende até o destino final do esgoto.
Do ponto de vista da higiene, a recomendação ideal seria jogar o papel no vaso. “Do ponto de vista sanitário, o melhor, realmente, é jogar o papel na privada. Pensando no melhor dos mundos, isso evita que quem faz a limpeza tenha contato com fezes e se contamine”, explica Fuess. No entanto, devido às limitações atuais, “o jeito ainda é continuar usando a lixeira ao lado da privada”.
Daniel Signori, da Mili, e Taciane Albuquerque, da Softys, afirmam que o descarte no vaso é tecnicamente possível, mas apenas em casas mais modernas e bem planejadas. Já para Brochado, “tanto jogar no vaso quanto no lixo apresenta riscos e impactos, e é difícil dizer qual é o ‘menos pior’”.
Além do papel, muitos outros itens jamais devem ser jogados no vaso sanitário. A lista inclui lenços umedecidos, fraldas, absorventes, cotonetes, fios dentais, cabelos, guardanapos, papel toalha, restos de comida, areia e até preservativos. Esses materiais não se desfazem e podem causar entupimentos graves.
Se o vaso entupir, o mais indicado é começar com um desentupidor. “O correto seria primeiro usar um desentupidor, para entender se tem problema na bacia, antes da entrada do sifão”, explica Bruno Silva. Se isso não funcionar, o ideal é chamar um profissional hidráulico. Por ora, diante da infraestrutura brasileira, a orientação permanece: jogue o papel no lixo.