
Ministério diz que implementação das regras exige “medidas específicas” e atua para integração de bases de dados. Para especialista, medida ajudaria a encerrar ciclos de violência. Mais de dois anos após ser sancionada, uma lei que reserva parte das vagas ofertadas pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine) para mulheres vítimas de violência doméstica segue sem estar, na prática, em vigor.
Violência doméstica
Nadine
Segundo uma especialista, a medida poderia ajudar especialmente mulheres que hoje residem em abrigos, muitas vezes com filhos. (leia mais abaixo)
Em abril de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 14.542, que alterava a lei que regulamenta o Sine. Pelo texto, mulheres em situação de violência doméstica e familiar teriam “prioridade no atendimento pelo Sine” e a elas seriam reservadas 10% (dez por cento) das vagas ofertadas para intermediação no sistema . Caso as vagas não sejam preenchidas, ficam disponíveis primeiro para mulheres, depois para o público em geral.
Relembre no vídeo abaixo a sanção do texto:
Mulheres em situação de violência doméstica terão prioridade pelo Sistema Nacional de Emprego
🔎O Sistema Nacional de Emprego (Sine) é uma rede com cerca de 1.500 agências espalhadas pelo país que, entre outras ações, faz a intermediação entre empresas e candidatos, com divulgação de vagas, recebimento de currículos e mesmo a elaboração de processos seletivos.
Questionado sobre a implantação das regras previstas na lei, o Ministério do Trabalho disse que “a efetiva implementação dessa prioridade exige a adoção de medidas específicas para uniformizar os procedimentos atualmente praticados pelos órgãos gestores da Rede Sine, considerando que a execução das ações e serviços do sistema é descentralizada aos estados e municípios que aderiram à Rede.”
Segundo o ministério, parte do processo inclui “tratativas” já em discussão com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão gestor do Cadastro Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar, para realizar a integração de bases de dados “a fim de permitir a identificação e intermediação desse público.”
“Com a integração dos bancos de dados, as mulheres vítimas de violência passarão a ter dupla prioridade no sistema, sendo posicionadas no topo da lista de atendimento prioritário. Por fim, ressalta-se que esse processo demanda tempo, pois envolve não apenas a avaliação da viabilidade técnica e da compatibilidade entre as bases de dados, mas também a definição de fluxos operacionais seguros, com o objetivo de proteger essas mulheres e evitar que passem por novas situações traumáticas durante a busca por emprego”, conclui o ministério.
“Como oposição, a gente faz requerimentos, já tentou conversar com o secretário nacional do Sine, com o ministério das mulheres, com discurso, cobrando todos os dias, mostrando a gravidade que é a violência doméstica do nosso país e como essa lei é importante para ajudar todas as mulheres que sofrem violência a se livrar desse cárcere que muitas vivem.
Sair do ciclo de violência
Pesquisa divulgada em março deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontou que mais de um terço das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de agressão nos 12 meses anteriores ao levantamento. Em 40% dos casos, os agressores foram cônjuges, companheiros ou namorados e, em 57% dos casos, os ataques aconteceram em casa.
Epidemia de violência contra a mulher – pesquisa ‘Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil’, iniciada em 2017, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Arte/g1
17,1% das mulheres ouvidas pela pesquisa relataram que, em algum momento da vida, ouviram de um namorado, marido, parceiro ou ex-parceiro íntimo um pedido para que deixassem de trabalhar fora de casa ou estudar. Em 10% dos casos, as mulheres relataram que foram impedidas pelo parceiro ou ex-parceiro íntimo de terem seu próprio dinheiro.
A preocupação com o isolamento causado pela perda de autonomia financeira é destacada pelo deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM), autor do projeto que deu origem à lei.
Desde o começo do ano, ele já encaminhou pedidos de informação ao governo federal e ofícios a órgãos do Judiciário pedindo ajuda para implementação efetiva da lei.
“Essa mulher tem muita dificuldade de sair de casa, principalmente as mulheres mais humildes. Precisam de um amparo. E estimular esta mulher a entrar no mercado de trabalho, estimular essa mulher a ter sua independência financeira, isso é um vetor determinante para ela sair da casa do agressor”, diz o deputado.
Ele afirmou que tem cobrado do governo a implantação da lei.
“Como oposição, a gente faz requerimentos, já tentou conversar com o secretário nacional do Sine, com o Ministério das Mulheres, com discurso, cobrando todos os dias, mostrando a gravidade que é a violência doméstica do nosso país e como essa lei é importante para ajudar todas as mulheres que sofrem violência a se livrar desse cárcere que muitas vivem”, relatou ao g1.
Manual no celular orienta mulheres vítimas de violência doméstica
A vice-presidente do Instituto Maria da Penha, Regina Célia, também destaca a relevância da autonomia financeira neste contexto.
“Ela só tem duas saídas do ciclo de violência. É ou ela conseguir essa autonomia econômica, ela conseguir se reerguer – também com acompanhamento psicológico –, ou infelizmente o feminicídio”, alerta a especialista.
Regina destaca a existência de ações da iniciativa privada sobre o tema, mas enfatiza a relevância de uma atuação governamental.
A medida, avalia ela, ajudaria especialmente vítimas que hoje residem em abrigos, muitas vezes com filhos.
“Eles não têm dificuldade de encontrar a mulher, e eles também não têm dificuldade da vaga. Agora, eu preciso de alguém que garanta a minha formação continuada, para eu estar apta a ser absorvida pelo mercado. Eu preciso também da continuidade da orientação psicológica, e também da questão da segurança jurídica”, explica.