Como Zambelli se associou a hacker e implodiu a carreira política

Zambelli e ‘hacker de Araraquara’ foram condenados pelos crimes de falsidade ideológica e invasão a dispositivo informáticoMontagem iG / Imagens Lula Marques/ Agência Brasil

Em janeiro de 2023, o ministro Alexandre de Moraes emitiu um pedido de prisão inusitado. O alvo era ele mesmo.

Ninguém entendeu nada.

No pedido, o ministro do STF se punia por “litigância de má-fé”.

Em um dos trechos, ele determinava a remessa “de todos os inquéritos de censura e perseguição política, em curso no Supremo para o CNJ, a fim de que me punam exemplarmente”.

O ministro se negava a explicar o pedido porque “sou como um deus do Olimpo, defiro a petição inicial, tanto em razão da minha vontade como pela vontade extraordinária de ver o Lula continuar na Presidência”.

E finalizava: diante de todo o exposto, expeça-se o competente mandado de prisão em desfavor de mim mesmo, Alexandre de Moraes. Publique-se, intime-se e faz o L.”.

O texto, claro, não era de autoria de Moraes. Foi gerado por um hacker que conseguiu acessar o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), órgão sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Justiça para supostamente provar as fragilidades do sistema judicial do Brasil – em xeque por grupos bolsonaristas que acusavam manipulação nas eleições de 2022.

Quem acessou os dados foi o hacker Walter Delgatti Jr., mais conhecido como o “hacker de Araraquara” – sim, o mesmo personagem que acessou conversas de procuradores do Ministério Público Federal no Paraná e o então juiz Sérgio Moro e provou que havia um jogo combinado para perseguir e condenar alvos da Operação Lava Jato.

Quem me contou a história da invasão foi o advogado de Delgatti, Ariovaldo Moreira, logo que a Polícia Federal identificou as digitais do cliente na brincadeira.

Segundo ele, a invasão aconteceu a mando da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), que meses antes o cooptou para a campanha de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência.

O “plot twist” quase provocou infartos coletivos em grupos progressistas que tratavam o hacker que desmascarou Sergio Moro como ídolo.

Delgatti, até onde se sabe, foi contratado por Zambelli (ou alguém a mandou contratar?) para tentar expor a fragilidade das urnas eletrônicas. Quem comprou o gato levou a lebre em forma de falso mandado de prisão no CNJ.

A coringanda (com o perdão aos fãs da DC Comics) saiu cara tanto para quem mandou quanto para quem obedeceu.

Nesta quarta-feira (14) a Primeira Turma do Supremo condenou a deputada por unanimidade à perda do mandato e a dez anos de prisão. Cabe recurso ao próprio STF.

Já a pena de Delgatti, que já está preso preventivamente, é oito anos e três meses de prisão.

A dupla terá de pagar uma multa de R$ 2 milhões por danos materiais e morais coletivos. Ambos ficam também inelegíveis pelo prazo de oito anos.

É o fim da trajetória política da deputada que ascendeu organizando filas do banheiro químico em protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff entre 2015 e 2016.

A certa altura, ela acumulou tanto prestígio no grupo que chegou ao poder a partir da Lava Jato que chegou a negociar um cargo no Supremo para Sergio Moro quando o então ministro da Justiça ameaçava deixar o governo Bolsonaro. Cinco anos depois, ela seria condenada na mesma Corte onde até outro dia prometia influenciar a escolha de ministros.

Ela já havia sido condenada pela Justiça Eleitoral por espalhar mentiras sobre as urnas na campanha em que seria reeleita deputada – por meio do voto eletrônico que ela contestava, vale lembrar.

Falta ainda a sentença por perseguir com arma em punho, em São Paulo, um eleitor de Lula na véspera do segundo turno.

Os anos de vassalagem a Jair Bolsonaro não devem salvá-la. Bolsonaro atribuiu à “pistolagem” a derrota para Lula no dia seguinte. E largou a ex-aliada ferida na estrada. Não deve franzir um músculo agora para tirá-la da cadeia.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.