O Senado da Itália deve votar nesta quinta-feira (15) um decreto-lei que pode mudar as regras de obtenção da cidadania italiana, afetando milhões de descendentes ao redor do mundo — especialmente no Brasil. As mudanças restringem o acesso que antes era considerado um dos mais flexíveis da Europa.
Rafael Gianesini, CEO da Cidadania4u, uma empresa especializada em cidadania europeia da América Latina, explica que as novas regras limitam concessão do documento a descendentes de pais e avós, impactando cerca de 95% dos brasileiros que buscam o direito.
“Agora mudaram para somente filho e neto de italiano que teve e tenha até a sua morte somente a cidadania italiana, ou seja, ele não podia ter se naturalizado ou ter uma dupla nacionalidade, ele deveria ter exclusivamente cidadania italiana”, afirma.
O especialista acrescenta que “o uso da palavra ‘exclusivamente’, limita praticamente 95% dos brasileiros que não vão ter mais direito à cidadania italiana”.
Mas ele também esclarece que quem entrou na justiça até o dia 27 de março — dia anterior do anúncio das mudanças — ou quem estava na fila e foi convocado e entregou a documentação até 27 de março, conta a regra de cidadania anterior.
Como eram as regras antes:
- Qualquer pessoa que podia provar que teve um ancestral italiano que estava vivo depois de 17 de março de 1861, quando o Reino da Itália foi criado, podia buscar a cidadania.
Quais seriam as mudanças?
- A cidadania será concedida só até netos de um cidadão nascido em solo italiano, ou seja, apenas indivíduos com pelo menos um dos pais ou avós nascidos na Itália, um estado-membro da União Europeia, se qualificarão para a cidadania por descendência.
- O ascendente precisa ter exclusivamente a cidadania italiana — não pode ter se naturalizado ou ter uma dupla nacionalidade.
- Filhos recem-nascidos de cidadãos italianos terão até um ano de idade para ter sua cidadania reconhecida. Caso contrário, perdem o direito.
- Havia uma proposta de exigir certificação de proficiência em italiano nível B1 para manter a cidadania, mas a medida foi revogada devido aos altos custos.
Quando as mudanças começariam a valer?
As medidas já estão em vigor de forma provisória e aguardam aprovação definitiva.
Gianesini explica que o decreto-lei segue em trâmite: nesta quinta-feira (15), pode ser votado por uma comissão de senadores. Se aprovado, seguirá para o plenário do Senado e, depois, para a Câmara dos Deputados. O governo italiano tem até o dia 27 de maio para concluir o processo legislativo. Caso contrário, o texto perde validade.
“O governo está usando um dispositivo legal destinado a situações de emergência, como pandemias, para aprovar essa mudança. Isso já é contestado pela oposição, que também considera o decreto inconstitucional. Mas a expectativa de reversão é mínima, porque o governo tem maioria”, acrescenta Gianesini.
Contudo, o CEO afirma que o texto do decreto-lei passou por modificações de emendas significativas.
Inconstitucionalidade e impacto judicial
Para Gianesini, o decreto é inconstitucional, pois atinge retroativamente um direito que deveria ser reconhecido desde o nascimento. “Quando a gente reconhece a cidadania, a gente reconhece desde o dia que a pessoa nasceu. Não pode haver uma lei que retroaja e anule esse direito. Isso já foi apontado por vários constitucionalistas italianos.”
A nova regra também afeta diretamente pessoas que estavam há anos na fila para o reconhecimento. “Imagina esperar 10 anos e, por culpa da ineficiência do Estado, não ter sido convocado a tempo. Agora, essas pessoas não poderão mais entregar a documentação e terão que judicializar. Isso vai gerar um colapso no sistema judiciário italiano”, alerta o CEO.
Segundo ele, a única via que restará para a maioria será a judicial. “A via administrativa deixa de ser uma opção para 95% das pessoas. Todo mundo vai ter que entrar na justiça. E o sistema não está preparado para isso.”
Anuncio das novas regras
As novas diretrizes, foram anunciadas pelo ministro das Relações Exteriores do país, Antonio Tajani, no dia 28 de março.
Tajani disse que o sistema estava sendo abusado, com possíveis italianos inundando consulados no exterior para solicitações de passaportes, que fornecem entrada sem visto para mais países do que quase qualquer outra nacionalidade.
“Ser cidadão italiano é algo sério. Não é um jogo obter um passaporte que permita fazer compras em Miami”, disse Tajani em uma entrevista coletiva.
O consulado italiano afirmou em um comunicado que “o objetivo das medidas adotadas é valorizar o vínculo efetivo entre a Itália e o cidadão residente no exterior”.
A pasta acrescentou que a reforma ocorrerá em duas fases: “algumas normas entrarão em vigor imediatamente”, como a regra da cidadania restrita a duas gerações, e, “posteriormente, será implementada uma reforma orgânica de requisitos substanciais e dos procedimentos relacionados à cidadania”.
A Itália tem uma população de cerca de 59 milhões, que vem diminuindo na última década. O Ministério das Relações Exteriores estimou que, sob as regras antigas, 60 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo eram elegíveis para a cidadania.
Tajani, esclareceu, segundo a declaração do consulado, que “o princípio do ius sanguinis (“direito de sangue”) não deixará de vigorar, e muitos descendentes de emigrantes ainda poderão obter a cidadania italiana, mas serão estabelecidos limites precisos, principalmente para evitar abusos ou fenômenos de ‘comercialização’ de passaportes italianos”.
Com informações da Reuters.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Mudança na cidadania italiana: 95% de brasileiros serão afetados, diz CEO no site CNN Brasil.