
Adolescente que ficou órfão é de Sorocaba (SP) e tem autismo, síndrome de Down e apraxia de fala. Ele tem direito ao auxílio da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), mas precisa que um responsável legal faça o requerimento. Bianca ao lado de seus dois filhos biológicos e com a mão de Felipe, adolescente que ela tenta adotar
Antônio Ferreira/TV TEM
Uma amizade marcada pelo amor e cuidado compartilhado por duas “mães atípicas”, de Sorocaba, no interior de São Paulo, acabou se transformando em laços de família quando, há seis meses, uma delas morreu vítima de câncer, deixando um filho de 16 anos.
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Bianca Silva de Holanda, de 30 anos, decidiu entrar na Justiça para cumprir uma promessa que fez à amiga de adotar o filho dela, Felipe Santiago da Costa. O adolescente ficou órfão após a mãe dele, Josefa Santiago de Albuquerque, morrer vítima de um câncer no aparelho digestivo, aos 58 anos.
Bianca e Josefa se conheceram durante a rotina de terapias de seus filhos, ambos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Felipe também foi diagnosticado com síndrome de Down e apraxia de fala, um distúrbio neurológico que dificulta a coordenação dos movimentos para a produção da fala, afetando a pronúncia de palavras, sílabas e som.
“O Felipe tinha uns dez anos quando eu conheci a mãe dele. Nós ficamos conversando sobre as crianças, sobre o autismo, sobre tudo. Um dia, eu convidei ela para vir na minha casa, ela era mãe solo, daí nós fizemos essa amizade, que durou sete anos. Ela frequentava a minha casa e o Felipe chama o meu esposo de pai desde pequenininho”, contou Bianca.
Da esquerda para direita estão Josefa, a pequena Maitê e Bianca, de Sorocaba (SP)
Bianca Silva de Holanda/Arquivo pessoal
A amizade entre as duas também acabou favorecendo a aproximação de Felipe e os dois filhos de Bianca, Kauê Ryan, de dez anos, e Maitê Victória, de quatro, que acabaram crescendo junto. A rotina das duas famílias sempre incluiu encontros entre os membros, até que Josefa acabou adoecendo e se mudando junto do filho para a casa de Bianca.
“Em abril do ano passado, ela [Josefa] ficou muito doente. E ela trabalhava fazendo faxina, daí eu falei para ela vir morar comigo, que eu ia ajudar ela e o filho, e ela aceitou. Veio morar comigo aqui no Júlio de Mesquita e, quando foi em novembro, dia 24 do ano passado, ela chegou a óbito, mas antes me pediu muito para eu não abandoná-lo [Felipe]”, declarou.
Felipe ficou ófão após sua mãe morrer durante tratamento de câncer, em Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
Segundo Bianca, a mãe de Felipe recebia um auxilio da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) devido aos diagnósticos e tratamentos do rapaz, porém, depois que ela morreu, este benefício foi cortado e deverá ser solicitado por seu novo responsável legal.
“Eu fazia tudo por ela [Josefa] e faço por ele também. Estou lutando na Justiça para ficar com o filho dela e ganhar a guarda dele. Por enquanto ele está comigo, desde quando ela faleceu, e eu creio que nós vamos vencer”, destacou Bianca.
Bianca, seu filho Kauê e Felipe, de Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
Direito ao Loas e adoção
O auxílio Loas foi instituído pelo governo federal em 1993 para auxiliar idosos e pessoas com deficiência que não possuem rentabilidade e, com a assistência, conseguem ter direito a um salário mínimo.
“Nossa rotina mudou por causa do luto. O luto é muito ruim, por não aceitar a dor, a perda. Foi super rápido. As crianças continuaram na mesma rotina. O Felipe faz terapia, o meu filho também, a minha menininha vai à escola. O que está difícil é a despesa. Aumentou, ficou uma bola de neve as contas, porque é meu marido para tudo e ele é autônomo. Vivo fazendo rifas para ajudar o Fê e as pessoas me ajudam muito também, graças a Deus”, destacou Bianca.
A presidente da Comissão do Direito à Adoção da OAB Sorocaba, Marilia Machado, explica que, no caso de Felipe, o benefício foi cessado devido à ausência de outros familiares, e precisa ser requerido novamente pela pessoa que ficar responsável pelo rapaz por meio da adoção, processo que já foi iniciado por Bianca.
Dia da Adoção: fila de pessoas à espera da adoção é grande em Sorocaba
Marília conta que o processo de adoção se inicia de forma simples, com a vontade e intenção de adotar, porém, os adotantes precisam passar por um logo período de “gestação adotiva”. Atualmente, qualquer pessoa pode adotar, sejam solteiras, casadas, casais homoafetivos, entre outros.
“Para o processo de adoção, é necessário se dirigir à Vara de Infância e Juventude, que fica no fórum estadual, e preencher um cadastro. Nesse cadastro, a pessoa ou casal coloca o perfil da criança que quer adotar, seja um bebê, criança ou até adolescente. Também se tem preferência por cor de pele , gênero, idade, etnia ou com algum problema de saúde, e se essas doenças podem ser tratáveis ou não tratáveis”, explicou.
Presidente da Comissão do Direito à Adoção da OAB Sorocaba (SP), Marilia Machado, fala sobre processo de adoção
Marilia Machado/Arquivo pessoal
Uma vez que o cadastro de adoção for devidamente preenchido, também são exigidos alguns documentos das pessoas adotantes, como de identidade, antecedentes civis e criminais, fotos da residência, e atestados de saúde física e mental. Após a entrega da documentação, o processo é iniciado.
“Não é necessário advogado no processo, mas nada impede de algumas pessoas contratem advogados para acompanhar o processo, ajudar e dar suporte. Depois os adotantes passam por curso preparatório de adoção, que é ministrado pela própria Vara da Infância e da Juventude, com profissionais da Justiça, como assistentes sociais, psicólogos e até promotor de Justiça”, acrescentou Marília.
Logo após o curso, entrevistas são feitas com os candidatos a adotantes e, se eles forem aprovados, o processo adotivo com a aproximação das crianças à família será realizada, também com acompanhamento e a avaliação se o contato for positivo e suscetível à autorização da adoção.
“As mães adotivas passam por uma ‘gestação adotiva’ muito prolongada e exaustiva. Às vezes esta gestação pode durar muitos anos até a vinda de seu filho ou filho e é, de certa maneira, um longo amadurecimento, mas o amor verdadeiro não depende de vínculo biológico e, sim, do intuito de ser pai e mãe”, finalizou Marília.
Josefa com a filha de Bianca no colo, Maitê, e Felipe em seu aniversário de 13 anos, em Sorocaba (SP)
Arquivo pessoal
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