Como apelido fez com que surdo fosse acusado por engano no lugar do irmão, suspeito de assassinato


Assassinato cometido em 2014 ainda assombrava a vida de Edno Alves Fernandes. O irmão dele, conhecido como ‘Erê’, era o verdadeiro suspeito, mas os dois foram confundidos. ‘Erê’ foi morto em 2015, mas Edno foi indiciado no lugar dele. Na foto estão uma amiga da família, Maria das Dores, o defensor Breno e Edno Alves.
Millin Albuquerque/Defensoria Pública
O cearense Edno Alves Fernandes pode, finalmente, sair de casa sem medo de ser preso e respirar aliviado. É que no dia 06 de fevereiro deste ano ele recebeu a notícia de que foi inocentado de uma acusação por um crime que não cometeu.
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O homem de 42 anos, que possui deficiência auditiva desde que nasceu, foi indiciado no lugar de seu irmão, Elionardo Alves Fernandes, suspeito de um crime de assassinato ocorrido em 2014 no Bairro Jardim Bandeirantes, em Maracanaú.
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De acordo com os autos do processo, a vítima estava em casa quando dois homens chegaram ao local e o chamaram para ir até um bar. Segundo testemunhas, tratava-se de uma emboscada planejada por um suspeito identificado como ‘Eré’. A vítima foi morta por causa de uma dívida de drogas.
‘Eré’, no entanto, era o apelido de infância do irmão de Edno, mas um equívoco no direcionamento da acusação levou à emissão de um mandado de prisão contra o próprio homem. Elionardo Alves Fernandes, o verdadeiro ‘Eré’, foi morto em 2015.
Defensoria reverte caso de homem acusado de homicídio após erro
O erro só conseguiu ser descoberto quando Maria das Dores, mãe dos dois rapazes, procurou a Defensoria Pública. A defesa ficou a cargo do defensor público Breno Vagner Bezerra Vicente que atua no município de Maracanaú:
“Foi um caso muito importante da atuação da Defensoria em defesa de uma pessoa hipervulnerável. Em 2014, houve o falecimento de uma pessoa e se investigou que se tratava de uma emboscada. A investigação apontava que o apelido de uma das pessoas envolvidas era Erê. Algumas vezes o apelido se atribuiu ao Elionardo, mas também ao Edno. Então, chegaram a ser expedidos mandados de prisão em momentos diferentes em nome dos dois”, explicou o defensor.
Desde 2014 havia uma ordem de prisão que poderia ser cumprida a qualquer momento, mas só em 2023 Edno foi formalmente acusado pelo o Ministério Público do Ceará. O órgão chegou a optar pelo arquivamento do caso, mas voltou atrás.
“O que aconteceu, então, é que embora o Ministério Público tenha opinado pelo arquivamento, a polícia depois fez o indiciamento. Então, o Ministério Público acusou o Edno como sendo uma das pessoas que teria o envolvimento na morte dessa pessoa e envolvimento nessa investigação que estava pendente desde 2014. A partir daí, ele foi citado. Embora essa ordem de prisão existisse desde 2014, em 2023 é que eles tiveram ciência da existência da ação criminal e da existência do mandado de prisão.”, disse Breno Vagner Bezerra Vicente.
Edno é um homem surdo com dificuldade de compreensão na fala. Ele não conhece a Língua Brasileira de Sinais (libras), o que trouxe algumas dificuldades comunicacionais para o processo. Foi a mãe dele quem ajudou em todas as etapas da defesa do filho.
Mãe superou morte de filho e lutou para que outro fosse inocentado
Mãe conseguiu provar inocência do filho.
Millin Albuquerque/Defensoria Pública
Maria das Dores relembra o dia em que recebeu a intimação contra o filho Edno, em 2023. “Quando ele entregou o papel, que eu peguei e li, vi logo que o nome dele estava até errado. O nome dele é Edno e no papel vinha Edson. Eu fiquei surpresa, porque na época (2014, quando o crime ocorreu), a suspeita foi para o irmão dele. E nunca também foi provado que tinha sido ele”, contou a mãe dos irmãos ao g1.
Na época em que o assassinato aconteceu, Edno chegou a ser levado pela polícia e passou um dia preso. O irmão Elionardo já não morava mais com a família e nem mantinha contato frequente. Ainda assim, Maria conta que os policiais ‘invadiram a casa’ em que ela morava com Edno.
Os anos se passaram e o medo estava presente na rotina da família. Em 2023, quando chego a intimação, Edno ficou ainda mais recluso e chorava com frequência:
“Ele ficou muito preocupado, não saía nem de casa mais. Passou um tempo sem sair com medo. Quando ele recebeu a notícia (de que a acusação foi retirada) chorou muito. Ontem à noite a gente conversou, perguntou de novo (se era verdade). Eu repeti desde o começo, parece que ele não estava acreditando”.
Edno e a mãe desenvolveram uma forma única de se comunicar. Foi a mãe quem noticiou tanto a intimação quanto a notícia de liberdade.
“A expectativa agora é levantar a cabeça e entregar nas mãos de Deus. Isso foi um erro muito grande. Não tenho nem palavras. Eu não sei de onde veio tanta força”.
Maria das Dores ainda conta que os dois filhos sempre foram muito parecidos e confundidos em outras ocasiões. O apelido “Eré”, no entanto, era o que diferenciava os dois na infância. O apelido surgiu em homenagem a um personagem da novela “O rei do gado” (1996), que na verdade se chamava “Uerê”, vivido pelo ator Pedro Oliveira.
“Quando ele (Elionardo) era pequenininho, tinha a novela ‘O rei do gado’. Na novela, tinha um um menino com os cabelinhos lisos, bem lindinho. E o Léo tinha o cabelinho assim. Os amigos dele falaram o nome e ficou por ‘Eré’. No colégio era ‘Eré’, tudo era ‘Eré”.
Com as alegações feitas pelo defensor Breno Vagner Bezerra Vicente, ficou provado, por meio do inquérito policial que investiga a morte de Elionardo, que ele sim, era conhecido pelo apelido de Eré, informação confirmada também em depoimento da mãe dos dois.
Na decisão judicial assinada pelo juiz Antônio Jurandy Porto Rosa Júnior, a justiça rejeitou as acusações e reconheceu “um grave equívoco na denúncia quanto à qualificação do acusado”, revogando a ordem de prisão preventiva, determinando o recolhimento do mandado de prisão e a retirada do nome de Edno de todos os institutos de identificação criminal.
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