Palestinos rejeitam ideia de Trump para realocação e temem reviver êxodo

Não há água e eletricidade no Norte da Faixa de Gaza. Além disso, há tantos escombros que mal há espaço para armar tendas em diversos lugares.

No entanto, mais de meio milhão de palestinos retornaram à área na semana passada, de acordo com o governo local. A maioria está determinada a ficar e reconstruir — mesmo após a ideia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que saiam da região e que possa ser construída uma “Riviera” no Oriente Médio.

“Não acho que as pessoas devam voltar para Gaza”, afirmou o republicano durante uma reunião com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, na terça-feira.

“Por que eles iriam querer voltar? O lugar tem sido um inferno”, acrescentou. Foi a segunda vez em pouco mais de uma semana que Trump disse que os palestinos deveriam deixar Gaza.

A sugestão gerou críticas em todo o mundo — e foi recebida com descrença e indignação entre os moradores de Gaza.

O Gabinete de Imprensa do governo de Gaza, administrado pelo Hamas, afirmou que cerca de 500 mil palestinos deslocados — quase um quarto da população do enclave — fizeram uma viagem de volta ao norte nas primeiras 72 horas após as forças israelenses terem começado a permitir seu retorno.

Amir Karaja pontuou à CNN que “preferia comer os escombros” do que ser forçado a deixar sua terra natal.

“Estamos firmes aqui”, observou Karaja à CNN nesta quarta, enquanto trabalhava no que restou de sua casa no campo de Nuseirat, no centro de Gaza. O prédio se assemelha a uma casa de bonecas depois que toda a parede frontal desabou e expôs o interior danificado.

“Esta é a nossa terra, e somos os donos honestos e verdadeiros da terra. Não serei deslocado. Nem [Trump], nem ninguém mais pode nos arrancar de Gaza”, ressaltou.

Parada no meio de sua casa fortemente danificada nas proximidades, Iyam Jahjouh disse à CNN que ela também não consideraria se mudar.

“Não deixaremos nossas terras ou casas, apesar da grande destruição e de tudo o que aconteceu em Gaza, estamos aqui e permaneceremos aqui”, garantiu.


Um palestino caminha entre escombros de edifícios, destruídos durante a ofensiva militar de Israel em Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza • 12/06/2024 REUTERS/Mahmoud Issa

O telhado e várias paredes da casa dela foram demolidos, deixando Jahjouh com apenas um cômodo coberto com um telhado improvisado. No entanto, neste bairro, esta casa está entre as menos destruídas.

“Por que eu deveria deixar meu país? Você quer me enviar para o Egito ou Jordânia? Não, não aceitaremos, montaremos uma barraca e, não importa o que você faça, não deixaremos nosso país. Não damos a mínima para as ameaças de Trump ou de Netanyahu”, pontuou.

“Preferimos o inferno de Gaza do que o paraíso de outro país”

Vendendo vegetais em um mercado em Khan Younis, uma cidade que foi fortemente danificada pelo bombardeio israelense, Ahmad Safi destacou que é “impossível” transferir pessoas para fora de Gaza.

“Vivemos sob bombardeio por um ano e meio. Depois de todo esse sofrimento, fome, bombardeio e morte, não deixaremos Gaza facilmente. Preferimos o inferno de Gaza do que o paraíso de qualquer outro país… se nos derem todo o dinheiro do mundo, não deixaremos esta terra”, observou.

Awatef Abu Sitta expressou sentimentos semelhantes à CNN: “Todas as casas de nossos filhos foram demolidas e nossa casa está meio destruída. A chuva entra na casa, o frio está chegando, e ficaremos aconteça o que acontecer, mesmo que fiquemos na tenda, mesmo que nos deem castelos e vilas, não deixaremos nossas terras”.

Recusando uma repetição da “Nakba”

Cerca de 70% dos 2,1 milhões de moradores da Faixa de Gaza estão registrados pelas ONU como refugiados, muitos dos quais são descendentes de palestinos que foram deslocados em 1948, quando cerca de 700 mil palestinos foram expulsos ou forçados a fugir de suas casas durante a criação de Israel.

Eles foram impedidos de retornar aos seus lares ancestrais no que é hoje Israel. Os árabes se referem ao evento como a “Nakba” (catástrofe).

Durante a Nakba, muitos palestinos foram levados a acreditar que seu deslocamento era temporário e que eles teriam permissão para retornar para casa quando a guerra acabasse. Mas isso nunca aconteceu.

A determinação de que esse evento não se repita, não importando as dificuldades atuais, era comum entre as dezenas de pessoas com quem a CNN falou em Gaza nesta quarta-feira e na semana passada.

Muitos celebraram seu retorno para casa com alegria, apesar da destruição generalizada. Saleh Al-Sawalha, de Jabalya, no norte de Gaza, disse à CNN que os palestinos são pessoas que se recusam a desistir.

“Fui deslocado 12 vezes”, relatou Al-Sawalha à CNN na semana passada enquanto esperava para fazer a viagem para o norte.

“Nós íamos para um lugar, eles [israelenses] nos diziam que seria bombardeado. Nós íamos para outro; eles diziam que seria bombardeado. Estávamos nos mudando de um lugar para outro. Estamos tão, tão exaustos. Não há nada como estar de volta em casa. É tudo o que queremos”, afirmou.

“Eu não vou embora”, destacou, em resposta aos comentários do presidente dos EUA. “Por favor, envie esta mensagem para Trump: esse é o último pensamento que passaria pela nossa cabeça”, alertou.

No mês passado, Trump sugeriu que tanto a Jordânia quanto o Egito deveriam abrigar palestinos de Gaza, dizendo que a moradia potencial “poderia ser temporária” ou “poderia ser de longo prazo”.

Na terça-feira, ele comentou que alguns palestinos poderiam retornar a Gaza no futuro. Ele imaginou “as pessoas do mundo vivendo” no que ele disse que seria “um lugar internacional e inacreditável”.

Questionado se os palestinos estariam vivendo em Gaza, ele adicionou: “Palestinos também. Palestinos viverão lá. Muitas pessoas viverão lá”.

Awni Al Wadia, que foi forçado a fugir de sua casa no norte de Gaza no ano passado, observou que a memória coletiva dos eventos de 1948 é uma das razões pelas quais ele não deixará o território.

“Esses comentários foram feitos no passado. Em 1967 (a guerra árabe-israelense), quando eles deslocaram os palestinos, eles disseram que era temporário, apenas até a situação se acalmar. E até agora, eles não retornaram. Eles permaneceram deslocados”, argumentou à CNN.

Como dezenas de milhares de outros, Al Wadia correu para retornar ao norte de Gaza assim que se tornou possível.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Palestinos rejeitam ideia de Trump para realocação e temem reviver êxodo no site CNN Brasil.

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