O que está acontecendo no Congo e por que há conflitos no país?

Uma aliança rebelde reivindicou a captura da maior cidade na região leste da República Democrática do Congo, que é rica em minerais, nesta semana, superando tropas governamentais apoiadas por forças de intervenção regionais e da ONU.

A tomada de Goma é mais um ganho territorial para a coalizão rebelde Alliance Fleuve Congo (AFC), que inclui o grupo armado M23 – que é sancionado pelos Estados Unidos e pela ONU.

É também uma rápida expansão da presença dos insurgentes no leste do país – onde minerais raros cruciais para a produção de telefones e computadores são extraídos – e provavelmente piorará uma crise humanitária de longa data na região.

O governo congolês ainda não confirmou a tomada da cidade pelos rebeldes, mas reconhece sua presença no local, que é capital da província oriental de Kivu do Norte.

Além disso, o Congo anunciou no domingo (27) que cortou relações diplomáticas com a Ruanda e chamou de volta sua equipe diplomática do país. A nação vizinha é acusada de equipar os rebeldes com armas e combatentes.

Um porta-voz do governo de Ruanda não negou nem confirmou o apoio do país ao grupo armado M23 quando questionado pela CNN.

Enquanto isso, mais de 12 soldados estrangeiros de forças de paz, bem como o governador militar da província de Kivu do Norte, foram mortos nos últimos dias tentando afastar os insurgentes, enquanto milhares de moradores fogem da região.

Por que o conflito no Congo começou?

O Congo sofre há décadas com violência causada por milícias, incluindo o M23, que diz defender os interesses de comunidades minoritárias, incluindo os tutsis.

Desde 2022, o M23 intensificou a rebelião contra o governo congolês, ocupando uma grande área em Kivu do Norte, que faz fronteira com Ruanda e Uganda.

Além disso, desde o início de 2025, os rebeldes tomaram novos territórios e chegaram a Goma, causando fuga em massa da população.

Por vários meses, os rebeldes também controlaram Rubaya, uma cidade mineira em Kivu do Norte que abriga um dos maiores depósitos de coltan do mundo. Este mineral valioso é usado na produção de telefones celulares.

Bintou Keita, que lidera a missão da ONU no Congo, relatou ao Conselho de Segurança da ONU em setembro de 2024 que “a competição pela exploração e comércio de recursos naturais” havia intensificado o conflito entre grupos armados no leste do país.

De acordo com Keita, estima-se que o comércio de coltan na área controlada pelo M23 em Rubaya “forneça mais de 15% da produção global de tântalo (um tipo de metal)” e “gere uma receita estimada de US$ 300 mil por mês para o grupo armado”.


Manifestantes do Congo atacam embaixada francesa em Kinshasa
Manifestantes do Congo atacam embaixada francesa em Kinshasa • Reuters

O M23 negou essas alegações, insistindo que sua presença na área de Rubaya era “exclusivamente humanitária”.

Um relatório do Grupo de Peritos da ONU sobre o Congo divulgado em dezembro revelou que “pelo menos 150 toneladas de coltan foram exportadas de forma fraudulenta para Ruanda e misturadas à produção ruandesa”.

Desde abril do ano passado, o M23 obteve ganhos territoriais significativos e fortaleceu o controle sobre as áreas ocupadas com o apoio da Força de Defesa de Ruanda, ainda segundo o relatório.

O documento acrescenta ainda o padrão sugere “que o verdadeiro objetivo do M23 continua sendo a expansão territorial e a ocupação e exploração de longo prazo dos territórios conquistados”.

Por fim, ele destaca que as intervenções militares da Força de Defesa de Ruanda “foram cruciais para a impressionante expansão territorial alcançada” pelo M23.

O que é o M23 do Congo?

O M23 se refere ao acordo de 23 de março de 2009, que encerrou uma revolta liderada por tutsis no leste do Congo.

Esse é um dos grupos de rebeldes liderados por tutsis étnicos contra o governo do Congo, tendo lançado a revolta mais recente em 2022.

O grupo acusou o governo do Congo de não cumprir o acordo de paz e de não integrar totalmente os tutsis congoleses ao Exército e à administração do país.


General Sultani Makenga, do grupo M23, em Rutshuru, República Democrática do Congo
General Sultani Makenga, do grupo M23, em Rutshuru, República Democrática do Congo • 27 de abril de 2013 / Leon Sadiki/City Press/Gallo Images/Getty Images

Ele também promete defender os interesses dos tutsis, particularmente contra milícias étnicas hutus, como as Forças Democráticas para a Libertação de Ruanda (FDLR), fundadas por hutus que fugiram de Ruanda após participarem do genocídio de 1994, que matou quase 1 milhão de tutsis e hutus moderados.

A autoproclamada agenda de libertação do M23 foi marcada por uma longa trilha de supostas violações de direitos humanos e o que o grupo de direitos humanos Human Rights Watch descreveu em 2023 como “crimes de guerra contra civis” em Kivu do Norte. O grupo negou consistentemente tais alegações.

Por que Goma é importante?

A cidade de Goma é a maior na região leste da República Democrática do Congo e abriga cerca de 2 milhões de pessoas.

A incursão do M23 no dia 27 de janeiro foi a segunda vez que o grupo avançou para capturar a cidade após ter assumido brevemente o controle dela em 2012.

Willy Ngoma, porta-voz do M23, afirmou à CNN que o grupo tem como motivação a preocupação com os moradores de Goma, que abriga grupos minoritários como a comunidade tutsi do Congo.

“Não queremos capturar Goma, mas libertá-la. A população está em perigo; devemos salvá-la o mais rápido possível”, afirmou.

O professor Dady Saleh, analista político e econômico congolês, avaliou à CNN que os interesses do M23 podem ser outros.

“Goma é uma cidade estratégica e altamente simbólica com um aeroporto internacional, além de estar próxima a Ruanda e ao Lago Kivu, abrindo o caminho fácil com o Kivu do Sul”, destacou.

Mas, o mais importante, segundo Saleh, é que a queda de Goma para o M23 “será o símbolo de sua captura completa e total” da parte oriental do Congo.

A luta entre o M23, as forças congolesas e outros grupos rebeldes forçou muitas pessoas a deixarem suas casas no leste do país, com pelo menos 400 mil deslocados desde o início deste ano em Kivu do Norte e do Sul, informou a agência de refugiados da ONU, o ACNUR, em um comunicado.

Além disso, Rose Tchwenko, diretora do grupo de ajuda Mercy Corps, alertou que “o acesso humanitário é quase impossível, os recursos estão esticados ao limite e as famílias deslocadas são deixadas em extrema necessidade de comida, água limpa, remédios e abrigo”.

Qual é o interesse de Ruanda no Congo?

Especialistas da ONU acreditam que cerca de 3 mil soldados ruandeses operam ao lado de combatentes do M23 no leste do Congo, superando em número o número do grupo rebelde no país.

De acordo com o professor Dady Saleh, Ruanda não apoia apenas o M23, mas o país “é o M23”.

Yolande Makolo, porta-voz do governo de Ruanda, assegurou à CNN que seu país “fará o que for necessário para defender nossas fronteiras e proteger os ruandeses”.

Ela citou um relatório da ONU que encontrou evidências de que o Exército do Congo havia colaborado e realizado operações com um grupo de milícias hutu contra um grupo rebelde de maioria tutsi, o CNDP, do qual o M23 surgiu.

Milícias hutus realizaram o genocídio de tutsis e hutus moderados em Ruanda em 1994.


Forças de segurança de Ruanda escoltam soldados das Forças Armadas da República Democrática do Congo que se renderam na cidade congolesa de Goma • Reuters

Makiolo pontuou ainda que “o presidente da República Democrática do Congo disse publicamente que seu inimigo é o presidente [Paul] Kagame e o governo ruandês, e que ele irá ‘libertar’ os ruandeses”.

O Ministério das Relações Exteriores de Ruanda também culpou o governo do Congo por não dialogar com o M23, classificando-o como um “grupo rebelde congolês lutando para proteger sua comunidade no leste da República Democrática do Congo”.

Felix Tshisekedi, presidente congolês, já ameaçou entrar em guerra com Ruanda. O líder ruandês Paul Kagame respondeu da mesma forma.

“Estamos prontos para lutar”, advertiu Kagame à rede francesa France 24 em junho do ano passado, acrescentando: “Não temos medo de nada”.

Durante reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a crise, a ministra das Relações Exteriores do Congo, Thérèse Kayikwamba Wagner, afirmou que o papel de Ruanda no conflito é “uma declaração de guerra que não se esconde mais atrás de manobras diplomáticas”.

Outras forças envolvidas no conflito

Forças de paz da ONU apoiam os esforços do Exército congolês para conter o M23. Isso faz parte da Missão de Estabilização da ONU no Congo, que combate os muitos grupos rebeldes no leste do país.

Assim, houve uma pausa no cronograma para a retirada da missão. Em dezembro, havia quase 11 mil forças de paz no local, principalmente no leste.

A Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que tem 16 integrantes, também estendeu sua missão militar no Congo no final do ano passado.

Ambas as forças sofreram perdas desde o início de 2025.

Existe um caminho para a paz no Congo?

Intervenções anteriores lideradas por Angola, incluindo acordos de trégua, não conseguiram cessar as hostilidades no Congo.

Ainda assim, o professor Saleh ponderou que uma solução ainda é possível, mas a qualidade dessa possível saída para o conflito que é a verdadeira questão.

“A região precisa de uma solução duradoura para a situação de segurança e, para conseguir isso, uma das condições é que a República Democrática do Congo seja capaz de garantir sua segurança e controlar sua economia. Soluções em termos de compartilhamento de poder, integração tribal e étnica não são uma solução duradoura”, destacou.

*Cat Nicholls, Joseph Ataman, Saskya Vandoorne e Serene Nourrisson, da CNN, contribuíram para esta reportagem

Este conteúdo foi originalmente publicado em O que está acontecendo no Congo e por que há conflitos no país? no site CNN Brasil.

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